Notícia n. 1049 - Boletim Eletrônico IRIB / Outubro de 1999 / Nº 133 - 01/10/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
133
Date
1999Período
Outubro
Description
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE REGISTRADORES E NOTÁRIOS Ricardo Henry Marques Dip - Antes de desenvolver o tema que o levou ao XXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, o Juiz de Direito da cidade de São Paulo, Dr. Ricardo Dip, agradeceu ao presidente Lincoln Bueno Alves a oportunidade de falar novamente aos registradores sobre questões relativas ao Direito Registral, que confessou estar entre suas maiores paixões. A seguir, fez questão de prestar uma homenagem pública, emocionando a registradora Maria Helena Leonel Gandolfo (10º RI/SP) com estas palavras: "Quero dedicar esta palestra a uma pessoa que merece muitíssimo mais do que uma simples palestra, mas que aqui fica definida como uma das mulheres mais extraordinárias com quem eu tive, pessoal e profissionalmente, contato ao largo da vida, que é a Dra. Maria Helena Leonel Gandolfo. Essa homenagem vem exatamente no momento em que ela pode ser colhida por uma aposentadoria compulsória, e, certamente, não é consolo algum que um seu antigo juiz corregedor venha aqui publicamente reconhecer os méritos de uma personalidade extraordinária, de uma profissional das melhores que eu pude conhecer ao longo da vida, mas, em todo o caso, é o que eu posso oferecer por agora. Fala aqui não só o amigo, mas fala também o juiz que a conheceu muito de perto e que soube aferir e avaliar a excelência do trabalho que deixa continuadores, também, por um espírito desprendido e zeloso e uma dedicação pedagógica extraordinária. Penso que ela tem muito ainda a oferecer a todos nós. Se acaso a aposentação vier efetivamente a colhê-la, isso não significará a inviabilidade de que ela continue a servir-nos, como parece ter sido o seu papel ao longo do tempo, com a experiência, com o estudo e com a dedicação que até hoje vem demonstrando em todas as atividades de que participa. Fica aqui, portanto, essa homenagem que vem do fundo do coração." Quanto ao tema escolhido, o juiz Ricardo Dip afirmou que, para ele, era muito importante falar sobre a aposentadoria compulsória neste momento. A razão disso é que, em 1988, quando se declarou em São Paulo a aposentadoria de registradores e notários por implemento de idade, e estando ele na 1ª Vara de Registros Públicos, foi um dos "pioneiros" da "aposentação compulsória", ao lado do juiz Péricles de Toledo Piza Júnior (então Juiz da 2ª Vara de Registros Públicos). Os dois juízes adotaram, então, o que para a época se poderia considerar de "politicamente incorreto". Dava-se como certo que a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo cassaria aquela surpreendente decisão. Ou que, ao menos, não resistiria ela a um mandado de segurança. Isso se, antes, não se acolhesse uma representação interposta pelo então Secretário da Justiça. Nada disso ocorreu e a decisão dos juízes quanto à aposentadoria compulsória se tornaria, rapidamente, uma solução tida por "pacífica". Entrando em vigor a Constituição Federal de 1988, o entendimento pessoal do juiz Ricardo Dip se tornou de novo "politicamente incorreta", segundo disse. É que ele passou a entender que já não cabia aposentar os registradores e notários por implemento de idade. "Eu mudei sim", afirmou, "mas mudei porque antes de mim mudou a Constituição e com a mesma serenidade e com a mesma prudência, com a mesma expectativa de que, apesar da minha falibilidade, julgando estar certo da primeira vez, adotei em seguida uma posição que me parecia adequada, deixei de declarar a vacância dos cartórios e a matéria passou a ser decidida pela Corregedoria-Geral da Justiça." Se a aposentadoria compulsória segue sendo admissível hoje é o que o ilustre palestrante passou a analisar.Como as decisões a respeito do assunto, no âmbito judiciário, invertem o plano da compreensão normativa, ou seja, interpretam a Constituição Federal a partir de uma visão particularizada da legislação extra constitucional, o juiz expositor propôs que a análise da questão se fizesse numa via que não comportasse retrocesso. O caminho que elegeu como o mais adequado, por "capital e irretrocessível", foi exatamente o "dispositivo constitucional de base, o art. 236 da CF". É cabível a aposentadoria compulsória para notários e registradores? Chamando a atenção para o enunciado do art. 236 ("Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público"), o juiz apontou sua característica de ambigüidade: "Essa é uma norma anfibológica, ela é anfibológica por seu conteúdo material, esse é o primeiro aspecto, não é do ponto de vista formal que ela apresenta ambigüidade. E não é anfibológica, como eu imaginara inicialmente, porque propõe um binômio tensivo: serviço público, gestão privada. Não pode ser, nesse aspecto, considerada uma disposição ambígua porque o direito é inteiramente composto de tensividades." "Se temos uma norma ou dispositivo que apresenta elementos de tensividade (inegável é que se encontre isso no artigo 236) sem que se dê qual critério vai prevalecer na hipótese de conflito, é aí que se põe efetivamente a dificuldade, a ambigüidade da norma", explicou. "O que torna agudamente ambíguo o enunciado do art. 236 da Constituição Federal é a falta de um critério de solução dos casos difíceis." O ponto fundamental da análise feita pelo palestrante é que "o art. 236 não constitui propriamente uma norma - isto é, uma norma de ação -, mas um princípio endonormativo com caráter tanto estrutural, quanto funcional. Ou seja: serve como indicativo de uma forma espectral do registro e como orientação de critérios para a legisprudência infraconstitucional e a jurisprudência." "Há princípios que têm caráter supranormativo, e portanto, antenormativo, anterior às normas. (...) Há também princípios que são endonormativos, são princípios que a própria lei consagra para, a partir de seu enunciado, reger tudo o mais que diz respeito a essa instituição." Segundo o juiz Ricardo Dip, encontramos como primeiro princípio endonormativo, no art. 236, a indicação de serviço público dos registros e das notas. "E serviço público não quer dizer serviço estatal", alertou, "e sim um serviço que busca um fim público (no caso, a administração pública de interesses privados, cujo objeto é um direito privado e não um direito público). E gestão privada não era conatural, do ponto de vista metafísico, ao registro. (...) A natureza das coisas não impunha registro exercido em caráter privado. Há, entretanto, uma conaturalidade histórica entre registros públicos e exercício privado no Brasil. É histórico, e uma história consagradora, ninguém se dá conta da importância que representa o crescimento do aparato do Registro Imobiliário no Brasil. Acredito que apesar das falhas, que podem ser corrigidas, podemos afirmar que temos os melhores serviços registrais de todo o mundo. Portanto, esse é um sinal de que o exercício privado funcionou de modo eficaz. Basta cotejar o resultado do trabalho dos senhores com os resultados dos heróicos cartórios judiciais para verificar em que pé estamos nesse confronto." O palestrante afirmou também que a gestão privada implica aspectos de natureza objetiva fundamentais na matéria. Tudo o que diz respeito ao serviço público é facilmente identificável como elemento de natureza objetiva. É o caso do horário de funcionamento dos cartórios, por exemplo. Em contrapartida, a aposentadoria compulsória diz respeito a um aspecto pessoal, a uma dimensão pessoal do serviço: "Essa dimensão pessoal não se abriga muito bem no plano objetivo, é patente que ela está mais voltada ao exercício privado, por isso esse primeiro critério nos indica claramente que a aposentadoria compulsória não pode decorrer desse dispositivo do artigo 236. Nada impediria que o legislador infraconstitucional, por motivos diversos, entendesse que aos 40 anos de idade fosse conveniente que a pessoa se aposentasse. Só que não havendo essa norma, ao contrário do que ocorria ao tempo em que declarei a aposentadoria compulsória em São Paulo, não há como derivá-la, por analogia, a partir da condição do funcionário público. E não há como derivá-la porque a dimensão pessoal é diversa. De nenhum funcionário público se diz que exerce o serviço público em caráter privado, aí esta o ponto, numa reta compreensão da norma constitucional." "Quando o legislador quis equiparar determinadas pessoas ao funcionário público fê-lo sempre estritamente", prosseguiu. "No nosso caso não há equiparação na legislação infraconstitucional, ela não decorre da leitura constitucional. Isto é um princípio, não é qualquer regra, não é qualquer norma, é também um princípio estrutural e um princípio funcional, ou seja, um princípio que dá organização e um princípio que dá indicação clara de como deve funcionar pragmaticamente o operador do Direito ao decidir essas questões de registros." Para o juiz Ricardo Dip, duas soluções são fundamental e urgentemente necessárias: uma legislativa e uma normativa infraconstitucional clara, estabelecendo o estatuto pessoal dos registradores e dos notários. Soluções, aliás, para as quais "já se faz irremediavelmente tarde, porque diante de um elemento normativo e de uma tipologia aberta, em relação à perda de delegação, temos encontrado episódios no mínimo estarrecedores a respeito de critérios para a perda de delegação. É importante lembrar a necessidade de, no plano legislativo, serem fornecidas normas precisas para saber o que está dentro do âmbito do exercício privado e do âmbito do exercício público". Finalizou, então, com uma mensagem aos registradores: "Os senhores têm uma larga tarefa pela frente e devem buscar esse resultado, sempre com o resguardo, que me parece fundamental, de respeitar a idéia do serviço público. Algumas vezes, com boa intenção, mas destas intenções que lamentavelmente emparedam o inferno, alguns defendem de tal modo a gestão privada que praticamente não se reconhece mais a existência do serviço público. É isso que precisa ser evitado no momento em que há extremismo de sobrevalorizar a noção de serviço público. Nesse binômio de serviço público e gestão privada é preciso (...) moderação. Convido a esse esforço, convido a essa razoabilidade. É o convite de alguém que já se confessou apaixonado pelo registro de imóveis, é um convite para que todos não se desestimulem diante das dificuldades. As dificuldades fazem parte das grandezas, dos grandes gestos históricos. Quando temos uma grande dificuldade pela frente é que podemos mostrar o nosso valor e encontrar soluções. O caminho está dado. Há onze anos que esse caminho está indicado, não o exploramos suficientemente e é preciso uma obra coletiva. O direito é sobretudo uma sabedoria prática e no saber prático, ao contrário do que ocorre no saber teorético, o conjunto de visões é sempre superior à visão isolada. Os senhores têm uma comunidade registrária."
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1049
Idioma
pt_BR