Notícia n. 5967 - Boletim Eletrônico IRIB / Maio de 2004 / Nº 1144 - 25/05/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1144
Date
2004Período
Maio
Description
Compromisso de compra e venda de imóveis - Em nosso ordenamento, algumas relações originariamente obrigacionais obtêm eficácia real mediante registro imobiliário autorizado por lei. O contrato de promessa de compra e venda de imóvel é um desses exemplos, com enorme utilização no universo negocial brasileiro. Até seu ingresso em nossa legislação pelo Decreto-lei no 58/37, o compromisso de compra e venda de imóveis conferia aos adquirentes apenas direitos obrigacionais. Findos os pagamentos das parcelas, extinta a obrigação, se o imóvel não fosse entregue ao adquirente, apenas lhe restaria a via indenizatória. Muitos foram os lesados por loteadores inescrupulosos, à época, pois na venda de lotes não edificados situava-se então a problemática. Ademais, antes desse diploma legal, os negócios eram regulados pelo artigo 1.088 do Código Civil pretérito, a permitir o arrependimento de qualquer das partes antes da conclusão do contrato definitivo. A senda inaugurada pelo Decreto-lei no 58/37, permitindo eficácia real ao compromisso de imóveis loteados, foi estendida, em diplomas posteriores, à generalidade dos imóveis. Esse primeiro diploma tornou obrigatório o registro dos loteamentos. Sem o registro, o proprietário somente pode vender partes ideais, ou mesmo concretas, mas não subdivididas em lotes. Registrado o empreendimento, os lotes ganham autonomia. O atual Código Civil contemplou finalmente o instituto como direito real, ainda que de forma insatisfatória, nos artigos 1.417 e 1.418, sob a epígrafe "Do direito do promitente comprador". O compromisso de compra e venda é um contrato perfeito e acabado. Advirta-se: não se trata de contrato preliminar típico, que colima a realização de um outro contrato, tido como contrato-objeto ou contrato definitivo. Deve ser examinado e interpretado, sem dúvida, do ponto de vista negocial. Contudo, como em tantos outros fenômenos jurídicos, trata-se de contrato dirigido ou regulamentado, representado em grande parte por normas cogentes que visam à proteção da parte, em tese, mais fraca economicamente, o adquirente, mas resguardando de igual modo, com eficácia, o alienante, na hipótese de inadimplemento. Afasta-se esse compromisso da noção que poderá existir em outros contratos preliminares, pré-contratos propriamente ditos, ou mera carta de intenções ou acordo de cavalheiros. O compromisso na hipótese sob vértice enquadra-se como verdadeira modalidade de compra e venda, mercê de suas cláusulas de irretratabilidade e irrevogabilidade. O nexo contratual de alienação da coisa é o aspecto primordial desse compromisso. Essas, sem dúvida, as razões axiológicas que levaram o legislador a conceder eficácia real à essa promessa de compra e venda de imóveis. Muito mais adequado e mais efetivo seria que a lei lhe desse um tratamento mais dinâmico, permitindo que, por simples averbação no registro imobiliário, provando o adquirente ter pago todas as parcelas, que a propriedade se tornasse plena. Exigir-se nova escritura, a famigerada escritura definitiva, tão só para essa finalidade, é burocracia e cartorialidade inadmissível na atualidade, atulhando ainda mais nossos tribunais com desnecessárias ações de adjudicação compulsória. Portanto, o Código de 2002 deu apenas meio passo com relação aos compromissos de venda e compra, não atendendo aos reclamos sociais, em nada inovando. A esse respeito já existe importante inovação no ordenamento, no artigo 26, 6o, da lei 6766/79, acrescentado pela lei 9.785/99, pra atingir loteamentos populares: "Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para registro do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação”. Desse modo, será doravante um pequeno passo, perfeitamente possível, aplicar esse dispositivo a todos os compromissos de venda e compra e não apenas aqueles dentro do restrito âmbito da lei de parcelamento do solo urbano. Não existe diferença ontológica entre eles. Convido nossos colegas magistrados e registradores a refletir e aplicar, sem rebuços, essa norma, orientando os cartórios imobiliários para tal. Não se esqueça, também, que a existência de compromisso de compra e venda, ainda que não registrado, é base segura para o processo de usucapião. A posse do imóvel e a existência de um compromisso quitado são aspectos mais do que suficientes e patentes para caracterizar justo título para a aquisição ad usucapionem. Desse modo, quando, por qualquer motivo, frustra-se a ação de adjudicação compulsória ou o registro imobiliário, a ação de usucapião atingirá a mesma finalidade. Não é, contudo, a solução mais rápida e menos custosa, como é evidente. Ainda, contudo, há mais uma possibilidade de usucapião versada no parágrafo único do artigo 1.242 do mais recente Código Civil: "Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, canceIado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico". A hipótese contempla mais uma facilidade em prol da aquisição da propriedade, que pode ser denominado usucapião documental ou tabular. Nesse caso, o dispositivo visa proteger o proprietário aparente, isto é, aquele que já possuía uma inscrição dominial que fora cancelada por vício de qualquer natureza. Nessa situação, pode ocorrer que o interessado tivesse título anteriormente o qual, por qualquer razão fora cancelado: por irregularidade formal, por vício de vontade, etc. A novel lei protege quem, nessa situação, mantém no imóvel a moradia ou realizou ali investimentos de interesse social e econômico. Protege-se o possuidor que atribui utilidade para coisa, em detrimento de terceiros. De qualquer forma, porém, a hipótese é de usucapião ordinário e mesmo sob as condições expostas não se dispensará o justo título e a boa-fé. Destarte, esse usucapião não pode beneficiar aquele que obteve o título com vício e o registrou, para poder ocupar o imóvel. Nessa premissa, ao ocupante restará aguardar o prazo do usucapião extraordinário. O passo do Iegislador nesse aspecto, no entanto, ainda foi muito restrito: melhor seria permitir também essa modalidade de usucapião documental para os que tivessem compromisso de compra e venda devidamente quitado com posse contínua por esse período, juntamente com os demais requisitos expostos nesse dispositivo. Fica também essa sugestão para futura norma e mesmo para a jurisprudência, pois essa questão envolve larga massa da população com compromissos quitados e posse, e o usucapião nessa situação amolda-se à intenção do legislador. Obrigar os compromissários compradores, nessa hipótese, a buscar a consagrada e cartorialista "escritura definitiva" é, como acentuarmos, superfetação de inútil burocracia. Melhor ainda, como apontamos, se o legislador permitisse, nos compromissos registrados, que mera averbação de propriedade plena fosse feita no registro de imóveis. Muito lenta, empedernida e sem maior visão de horizontes é a reação do legislador, quiçá movida por outros interesses, para dizer o mínimo. Tal como está redigida a presente disposição sobre usucapião, será muito pequeno o alcance de sua aplicação, salvo se a jurisprudência decidir alargá-lo sob esse aspecto, o que é perfeitamente possível e se amolda à orientação maior de nosso ordenamento, inclusive constitucional. (Correio Brasiliense/DF, seção Direito & Justiça, 10/5/2004, p.1).
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
5967
Idioma
pt_BR