Notícia n. 5826 - Boletim Eletrônico IRIB / Abril de 2004 / Nº 1098 - 16/04/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1098
Date
2004Período
Abril
Description
Protestabilidade extrajudicial de contrato de locação inadimplido pelo locatário - José Ribeiro *José Ribeiro é juiz de Direito aposentado. Ex-juiz federal. Professor de Direito. Mestre em Direito. Advogado. Consultor Jurídico da ANOREG-PR.* - Tratar-se-á hoje, neste espaço, de assunto que tem gerado polêmica entre os tabeliães de protesto de títulos e documentos de dívida: a possibilidade de ser ou não lavrado o protesto de contrato locatício quando o locatário inadimplir sua obrigação de pagar o aluguel. Muitos deles entendem não ser possível o protesto, por falta de previsão legal específica, já que, segundo sustentam, não se trata de um título cambial representativo de dívida líquida e certa. Será mesmo impossível lavrar o protesto? A resposta a essa indagação far-se-á com os argumentos a seguir alinhavados. Cabe ponderar, inicialmente, que o protesto extrajudicial, antes do advento da vigente Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, que define competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, era conceituado como tendo por objeto sempre um título cambial. Nesse sentido, passando em revista alguns doutrinadores a respeito do tema, colhem-se estes conceitos: a) – “Protesto cambial é o ato praticado pelo portador de um título de crédito, através do tabelião de protestos, pelo qual a recusa declarada ou tácita do responsável principal em aceitar ou pagar é documentada pelo testemunho solene do serventuário” [[1] EDISON JOSUÉ CAMPOS DE OLIVEIRA, Sustação de Protesto de Títulos, Editora Revista dos Tribunais, 1977, 2ª edição revista, p. 7.1]; b) – “o protesto era, e é, ato formal, pelo qual se salvaguardavam os direitos cambiários, solenemente feito perante oficial público” [[2] PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. 35, p. 63.2] c) – “O protesto, para efeitos cambiais (protesto cambial) é a formalidade extrajudicial, mas solene destinada a servir de prova da apresentação da letra de câmbio, no tempo devido, para aceite ou para pagamento, não tendo o portador, apesar de sua diligência obtido este ou aquele” [[3] CARVALHO DE MENDONÇA apud MÍRIAM COMASSETTO WOLFFENBÜTTEL, O Protesto Cambiário como Atividade Notarial, Editora Labor Júris - Frater et Labor Edições Ltda., São Paulo, 2001, p. 17 e 18.3] Pois bem. Com a entrada em vigor da mencionada Lei nº 9.492/97, que atualmente regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos, tem-se uma nova definição sobre o protesto extrajudicial de títulos, que é mais abrangente do que as definições ou conceitos que eram propostos anteriormente. Com efeito, estatui a referida lei, no seu artigo 1º, que o “Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”. Percebe-se facilmente que a citada lei não especifica quais os títulos ou quais os documentos sujeitos a protesto. Limita-se apenas a enunciar “títulos” e “outros documentos de dívida”. Com isso fica óbvio que a lei ampliou os títulos sujeitos a protesto não se restringindo mais apenas aos títulos cambiários, avançando, pois, o legislador, nesse passo, indo além da expectativa. Há dúvida, no entanto, a respeito do entendimento da expressão “outros documentos de dívida”, por ser bastante vaga e não ter o legislador traçado parâmetros para esclarecê-la. Por isso cabe à doutrina e também à jurisprudência dar o correto entendimento do que se almejou com tal expressão. Nesse ponto, desempenhando o seu papel, a doutrina tem se orientado no sentido de que o legislador, ao se referir a “outros documentos de dívida”, fez alusão a qualquer documento de dívida passível de execução, ou seja, que o documento seja líquido, certo e exigível.[[4] Nesse sentido: MÍRIAM COMASSETTO WOLFFENBÜTTEL (Obra citada, p. 29/30 e 75/76); e ERMÍNIO AMARILDO DAROLD (Protesto Cambial, Juruá Editora, 2ª ed. Revista e atualizada, 1999, p. 23/34).4] E o que é título de crédito? Título de crédito vem a ser “o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado” [[5] CESARE VIVANTE apud MÍRIAM COMASSETTO WOLFFENBÜTTEL (Obra citada, P. 28).5]. Ora, se assim é, tem-se que o contrato de locação é um título de crédito, ou um documento representativo de um crédito, pois sendo formalizado por escrito contém expresso o direito literal e autônomo nele mencionado, passível de ser exercido por seu titular. Cabe salientar, por outro lado, que a lei, ao regulamentar o processo de execução, estatuiu expressamente que a “execução para cobrança de crédito, fundar-se-á em título líquido, certo e exigível” (Código de Processo Civil, art. 586). Esse mesmo Código, após asseverar que “toda execução tem por base título executivo”, adotou posição dicotômica, separando-os em título executivo judicial e em título executivo extrajudicial (art. 583) e elencou as espécies de títulos que passariam a integrar essas duas categorias (arts. 584 e 585). Dentre os títulos executivos extrajudiciais, referidos no citado artigo 585, tem-se no inciso II, que integra essa classe de títulos, “o documento público, ou o particular assinado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas, do qual conste a obrigação de pagar quantia determinada, ou de entregar coisa fungível”. Assim, pode-se afirmar, sem resquício de dúvida, que contrato de locação assinado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas, é título executivo extrajudicial, comportando por isso execução, por ser título líquido, certo e exigível. Mesmo que não se enquadrasse, o contrato de locação escrito, como título executivo, no inciso II do aludido artigo 585 do Código de Processo Civil, ainda assim seria enquadrável no inciso IV do mesmo artigo, que diz que é título executivo “o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou renda de imóvel, bem como encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito” (os destaques não estão no original). Não paira dúvida, por conseguinte, que “contrato de locação” ou “aluguel ou renda de imóvel” comprovado “por contrato escrito” é título executivo extrajudicial. E a jurisprudência tem se orientado exatamente nesse sentido, conforme se vê dos excertos de acórdãos a seguir transcritos: “(...) A execução para cobrança de aluguéis e encargos locatícios deve fundar-se em contrato escrito, que constitui título executivo extrajudicial (CPC, artigo 585). É pacífico o pensamento construído no âmbito desta Corte no sentido de que, ainda que vencido o prazo locatício e prorrogado por tempo indeterminado, presume-se subsistente o contrato escrito nos termos anteriormente ajustados, constituindo título executivo extrajudicial adequado a embasar a cobrança dos valores locatícios (...)” (STJ, REsp 215.148/SP, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 29/5/2000). “PROCESSUAL CIVIL – LOCAÇÃO – CONTRATO – ART. 585, IV, DO CPC – Nos termos do art. 585, IV, do CPC, constitui título executivo judicial o contrato de locação escrito, devidamente assinado pelos contratantes, ainda que vencido o prazo locatício e prorrogado por tempo indeterminado. Recurso provido”. (STJ – REsp 176.422/MG – 5ª T – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 3/6/2002). “RECURSO ESPECIAL – ALUGUEL – CORREÇÃO MONETÁRIA – Incidência a partir do seu vencimento por se constituir título de dívida líquida e certa (lei 6.899/91 c/c art. 585, IV, CPC). Recurso não conhecido”. (STJ – REsp 261.183/SP – 5ª T – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 25/2/2002 – p. 427). Em face do exposto, verifica-se que o contrato de locação, desde que escrito, constitui título executivo extrajudicial, nos termos da legislação processual civil vigente, ainda que se cuide de contrato por tempo indeterminado. Por isso, havendo inadimplemento do pagamento do aluguel expressamente convencionado, torna-se possível a lavratura do protesto extrajudicial do respectivo contrato, não só porque está expresso na lei que “a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida” se prova pelo protesto, que é ato solene e formal (Lei nº 9.492/97, art. 1º), mas também porque não há, em nenhum dispositivo dessa mesma lei (que regulamenta atualmente os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida), proibição de ser lavrado protesto de contrato de locação, ou de qualquer outro contrato que representa dívida ou obrigação assumida por devedor. É evidente que quem não paga o valor do aluguel, convencionado por escrito, está incidindo, por óbvio, no “descumprimento de obrigação” originada “em documento de dívida” (que é o contrato locatício), o que já é suficiente, por si só, a possibilitar o protesto na exata dicção do artigo 1º da mencionada Lei nº 9.492/97. E que o contrato de locação constitui título protestável, quando há inadimplência do locatário no pagamento do aluguel estipulado, que configura indubitavelmente “descumprimento de obrigação” originada em “documento de dívida”, a que se refere a citada lei, encontra sustentáculo na doutrina. Nesse passo é elucidativa a seguinte lição: [[6] CARLOS HENRIQUE ABRÃO, Do Protesto, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 2ª edição, revista e ampliada, 2002, p. 25/28.6] “Enfeixado no aspecto da materialização da obrigação cambiária e naquela documental, surgem hipóteses disciplinadas pelo legislador, autorizadoras do protesto, relacionadas com os títulos de crédito em geral, alcançando os contratos e instrumentos formatados nos escritos particulares ou públicos (...) De modo parelho todos os contratos que instrumentalizam reciprocidade obrigacional e determinam prazo de cumprimento tornam-se passíveis de protesto (...) Refletidamente, portanto, quaisquer títulos ou documentos que alicerçam obrigações líquidas, certas, exigíveis, fazem parte dos indicativos instrumentalizados ao protesto (...)”. (Os destaques não estão no original). Não bastasse isso, já há precedente judicial nesta comarca de Curitiba. Ilustre magistrado, um dos que dignificam a magistratura paranaense, deixou assentado, em sua decisão, o seguinte: “(...) No caso em tela há que se observar que o art. 585, inc. IV, do Código de Processo Civil aponta o contrato de locação como título executivo extrajudicial, não faz ressalva sobre as verbas que podem ser exigidas pela via executiva que tiver por base contrato de tal natureza. Assim, temos que o contrato de locação de bens imóveis sequer exige a assinatura de duas testemunhas para fundar pedido de execução dos valores nele consignados, ainda que a pretensão executiva diga com saldo. Tais circunstâncias associadas aos termos da Lei nº 9492/97 que fala somente em documento representativo de dívida, aponta pela possibilidade formal do protesto em questão, em especial do protesto de contrato de locação, ainda que haja descrição de valores em documento apartado e digam as referidas verbas com obrigações contratadas, o que no caso formalmente ocorre porque a parte interessada informa que o valor consignado para protesto é o relativo a locatício – aluguel (...) Observe-se que a referida lei, nos seus artigos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 17º, entre outros, se refere a documento que represente dívida, no caso em tela o Código de Processo Civil reconhece no contrato de locação um título que representa dívida suficiente ao manejo de ação de execução, logo tal título pode servir de documento hábil a ser levado a protesto, ainda que por saldo relativo a obrigação locatícia – aluguel. Isto posto, nos termos acima, e acolhendo o parecer do Ministério Público, julgo improcedente a dúvida, declarando o feito extinto com exame do mérito posto (...)”. [[7] Trecho da sentença proferida pelo dr. Fábio André Santos Muniz, atualmente respondendo pela Vara dos Registros Públicos da Comarca de Curitiba, em 10.12.03, ao julgar improcedente dúvida suscitada por Tabelião de Protesto da Capital (Autos n. 468/02).7] Poder-se-ia questionar sobre o valor a ser lançado no registro do protesto, já que o contrato de locação geralmente é formalizado por prazo de um ano ou mais, ou às vezes nem prazo determinado tem, e o valor do aluguel é pago periodicamente, via de regra a cada período de trinta dias. Ora, tal valor deve ser o pactuado na locação, que esteja inadimplido pelo locatário, com os acréscimos pertinentes, indicados pelo credor-locador, tal como aliás se permite nos artigos 11, 19 e 22-III da citada Lei nº 9.492/97. De tudo o quanto se expôs, pode-se chegar à seguinte conclusão: a) – o contrato de locação escrito é considerado título executivo extrajudicial; b) – sendo, como é, título executivo extrajudicial, ele se reveste das características de liquidez, certeza e exigibilidade (esta última, evidentemente, quando o aluguel está atrasado, ou algum outro encargo assumido no contrato); c) – assim, possível ser lavrado protesto extrajudicial do contrato de locação, porque representa documento de dívida; d) – o valor a ser lançado no registro de protesto é o que indicar o credor (locador), como sendo o inadimplido pelo devedor (locatário).
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
5826
Idioma
pt_BR