Notícia n. 5081 - Boletim Eletrônico IRIB / Outubro de 2003 / Nº 862 - 07/10/2003
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
862
Date
2003Período
Outubro
Description
O sistema de registro das sociedades simples e sociedades empresárias - José Edwaldo Tavares Borba* - O Código Civil brasileiro de 2002, que também é um código de direito privado, revoga o Código Comercial, salvo no que concerne ao direito da navegação, reunindo em um mesmo corpo de leis, e sob os mesmos princípios, a matéria comercial e a matéria civil. Não mais existem contratos comerciais distintos dos contratos regidos pelo direito civil. Tampouco permanecem os diferentes prazos de prescrição para obrigações civis ou comerciais. Com o novo Código, foi reformulada a classificação das sociedades, que agora se consideram empresárias ou simples segundo tenham ou não por objeto o exercício de uma atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Unificados o direito das obrigações e as modalidades contratuais, assim como os prazos de prescrição, as diferenças que remanescem entre sociedades simples e sociedades empresárias resumem-se às seguintes: a) ao sistema de registro, posto que os empresários e as sociedades empresárias se registram no Registro Público das Empresas Mercantis (Juntas Comerciais), enquanto as sociedades simples se registram no Registro Civil das Pessoas Jurídicas; b) ao processo de execução coletiva, que, para os empresários e sociedades empresárias, observa a lei de falências e concordatas, ao passo que, em se tratando de não-empresários e sociedades simples, incide o processo de insolvência civil; c) ao sistema de escrituração contábil, que é mais rigoroso com relação aos empresários e às sociedades empresárias. A nova classificação funda-se, basicamente, na existência ou não de uma atividade econômica organizada, que não é senão a empresa. O empresário e a sociedade empresária exercem a empresa; ausente a empresa, tem-se a figura do profissional autônomo ou da sociedade simples. O autônomo exerce a sua atividade econômica de forma pessoal, ou com a colaboração de auxiliares subalternos ou até mesmo de outros profissionais, mas o que prevalece é o seu trabalho pessoal. O mesmo acontece com a sociedade simples, que tem no trabalho pessoal dos sócios o núcleo de sua atividade produtiva. Ainda que tenha empregados, estes apenas colaboram, mas o que se exterioriza, prevalecentemente, é o labor dos próprios sócios, ou de um administrador designado que opere de forma pessoal. A empresa existe quando as pessoas coordenadas ou os bens materiais utilizados, no concernente à produção ou à prestação de serviços operados pela sociedade, suplantam a atuação pessoal dos sócios. O trabalho intelectual, por força de tradição que o considera qualitativamente distinto da atividade econômica ordinária, foi afastado do conceito de empresa. A empresa produz. O intelectual cria, e assim a sua criação, por ser uma emanação do espírito, não seria assimilável aos chamados processos produtivos. Assim, a sociedade cujo objeto social compreenda a realização de um trabalho de caráter intelectual, ainda que disponha de uma organização, será sempre e necessariamente uma sociedade simples, afora tão-somente as situações em que o trabalho intelectual represente um elemento de empresa. Trabalho intelectual, segundo a própria lei, é o que apresente natureza científica, literária ou artística. Trata-se, portanto, de conceito bastante abrangente, como tal compreendendo o campo da ciência, que é auto-explicativo, o campo literário, em suas várias manifestações, e o campo da arte, este naturalmente circunscrito às expressões artísticas de cunho intelectual. A ressalva posta pelo legislador, e que se refere ao trabalho intelectual como elemento de empresa, somente se aplicaria às hipóteses em que o trabalho intelectual representasse um mero componente, às vezes até o mais importante, do produto ou serviço fornecido pela empresa, mas não esse produto ou serviço em si mesmo. A casa de saúde ou o hospital seriam uma sociedade empresária porque, não obstante o labor científico dos médicos seja extremamente relevante, é esse labor apenas um componente do objeto social, tanto que um hospital compreende hotelaria, farmácia, equipamentos de alta tecnologia, além de salas de cirurgia e de exames com todo um aparato de meios materiais. Uma clínica médica, ou um laboratório de análises clínicas (uniprofissional ou não), compostos por vários profissionais sócios e contratados, ainda que dotados de uma estrutura organizacional, mas cujo produto fosse o próprio serviço médico, que se exerceria através de consultas, diagnósticos e exames, e que portanto teria no exercício de profissão de natureza intelectual a base de sua atividade, seria evidentemente uma sociedade simples. A sociedade com atividade rural, se não for empresária – vale dizer, se não contar com uma organização – será necessariamente uma sociedade simples. Dotada de organização, poderá optar, livremente, entre a condição de sociedade simples e a condição de sociedade empresária. A sociedade rural desfruta, pois, de uma situação singular. Mesmo sendo uma empresa, cabe-lhe escolher o seu status jurídico, de sociedade simples ou empresária, para tanto bastando optar, respectivamente, pelo Registro Civil das Pessoa Jurídicas ou pelo Registro Público de Empresas Mercantis. A pequena empresa, por força do art. 970 do Código Civil, combinado com a Lei Federal nº 9.841, de 15.10.99, que considerou empresa de pequeno porte (pequena empresa) “a pessoa jurídica e a firma individual” com receita bruta anual igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (valor este sujeito a atualização, por ato do poder executivo, de acordo com a variação do IGP-DI), uma vez inscrita no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, também será tratada como sociedade simples, com o que terá assegurado o tratamento mais simplificado que desse registro resulta quanto ao processo de execução coletiva e quanto à sistemática de escrituração contábil. No regime anterior ao atual Código Civil, era a cooperativa considerada uma sociedade civil, mas o seu registro fazia-se na Junta Comercial. Esse registro constituía evidentemente uma anomalia, somente explicável pelo rígido controle a que se submetia a criação de cooperativas, cujo funcionamento dependia de autorização do governo federal, a ser concedida mediante providências articuladas entre o órgão de controle federal e a Junta Comercial (art. 18 da Lei nº 5.764/71). Com a Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XVIII), essa matéria foi inteiramente reformulada, proclamando-se o princípio da livre criação de cooperativas. A autorização do governo federal foi revogada por incompatibilidade com a Constituição Federal, e a razão de ser para o registro das cooperativas na Junta Comercial, perdeu, por via de conseqüência, a sua consistência, mas mesmo assim essa regra foi reproduzida pelo art. 32, inciso II, letra “a”, da Lei nº 8.934/94, que dispõe sobre o registro público de empresas mercantis. O novo Código Civil (art. 982, § único) preceitua, porém, de forma absoluta, que, “independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.” Assim, tal como a sociedade anônima, que é sempre empresária por força de lei, a sociedade cooperativa, qualquer que seja o seu objeto, será sempre simples. E sendo simples, por força do disposto no art. 1.150 do Código Civil, o seu registro deverá se fazer no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, uma vez que o novo sistema, ao disciplinar a matéria de forma completa e diferente, revogou inteiramente a legislação anterior, inclusive os preceitos que previam o registro da cooperativa na Junta Comercial, tanto que a norma especial, diante de uma ampla reforma, somente remanesce se alguma razão específica justificar a exceção. O Código Civil ordenou um sistema de registro fundado em duas organizações preexistentes, o Registro Público de Empresas Mercantis e o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, atribuindo à primeira a inscrição dos empresários individuais e das sociedades empresárias, e ao segundo a inscrição das sociedades simples (art. 1.150). A divisão das sociedades em simples e empresárias é de natureza técnica, e tem sentido funcional, de modo a instituir um regime mais complexo para o empresário e um regime mais simples para o não-empresário. Essa separação coloca em uma das posições extremas as sociedades por ações, que, por uma presunção legal absoluta, serão sempre empresárias; na outra posição extrema encontra-se a sociedade simples, em sua forma típica, que, por ser exclusiva de sociedade simples, não poderá desenvolver atividades próprias de sociedade empresária, salvo se estas se enquadrarem nas exceções legais (atividades intelectuais, rurais, ou de pequena empresa). As sociedades em nome coletivo, em comandita simples e limitadas tanto poderão ser simples como empresárias, e, para esse efeito, deve-se indagar a respeito da estrutura organizacional. Essa questão da organização, em determinadas situações, poderá dirigir-se para uma zona cinzenta, de difícil definição; nesses casos, os próprios organizadores, segundo a sua avaliação, indicarão o caminho, inscrevendo a sociedade no Registro Civil ou no Registro de Empresas. Nessas situações imprecisas, qualquer que seja o registro, a sociedade será regular, e desse registro resultará a sua condição de sociedade simples ou empresária. O Código Civil, ao disciplinar a sociedade em comum, que seria a sociedade irregular, assim considera aquela que não se inscreveu (art. 986). A irregularidade estaria na falta de inscrição, não na inscrição inadequada, tanto que a finalidade do registro, que é a publicidade e a fiscalização do cumprimento dos preceitos legais aplicáveis, estaria, de qualquer sorte, assegurada. A irregularidade ( (registro impróprio) ocorreria apenas quando a inadequação do registro fosse manifesta, ou quando houvesse evidente intuito de fraudar a lei. Nesses casos, o registro poderia ser desconstituído, ou ter os seus efeitos afastados, por decisão judicial. Além disso, no momento da constituição da sociedade, a estrutura que se pretende conferir-lhe nem sempre estará claramente evidenciada. Por outro lado, essa estrutura poderá compor-se, progressivamente, com o passar do tempo, quando a sociedade deveria se converter em sociedade empresária, mediante o registro na Junta Comercial, e conseqüente baixa no Registro Civil, tudo precedido, quando necessário, da competente transformação (ajuste do tipo). A hipótese inversa também poderá acontecer, com a conversão da sociedade empresária em sociedade simples. O Registro Civil e a Junta Comercial, afora as hipóteses de enquadramento evidente, deverão aceitar, nas situações imprecisas, as declarações dos próprios sócios, e a manifestação de vontade dos requerentes. O Registro Civil das Pessoas Jurídicas compreende, portanto, as sociedades simples em sua forma típica; as sociedades cooperativas; as sociedades não-empresárias sob as formas de sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade limitada; e as sociedades empresárias de natureza intelectual. O Registro Público de Empresas Mercantis compreende as sociedades anônimas; as sociedades em comandita por ações; e as sociedades empresárias sob as formas de sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade limitada, exceto as de natureza intelectual. As sociedades empresárias com atividades rurais, ou que se caracterizem como pequena empresa, poderão optar pelo Registro Civil ou pela Junta Comercial. *José Edwaldo Tavares Borba é advogado no Rio de Janeiro, RJ, especialista em Direito Societário, contratos comerciais e mercado de capitais. Autor de diversas obras, sendo a mais recente a 8ª edição do livro “Direito Societário” – Editora Renovar, 2003 (Artigo enviado para publicação por Graciano Pinheiro de Siqueira).
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
5081
Idioma
pt_BR