Notícia n. 5009 - Boletim Eletrônico IRIB / Setembro de 2003 / Nº 839 - 21/09/2003
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
839
Date
2003Período
Setembro
Description
Cancelamento de registro - Nulidade de pleno direito. Escritura pública. Servidão de passagem. Anulabilidades. - 1. A servidão é um direito real que onera o imóvel serviente em favor do imóvel dominante. Sendo um gravame, relevante para o seu aperfeiçoamento que haja o devido consentimento dos titulares do imóvel serviente. O não consentimento dos titulares do imóvel dominante materializa ato anulável. 2. Para o cancelamento da servidão, o interessado deverá buscar o processo contencioso, nos termos do art. 709 do Código Civil. Processo nº: 000.03.013331-9 Vistos, etc... Cuida-se de procedimento administrativo para CANCELAMENTO E RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO proposto por ETICA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LIMITADA. Destacou que é proprietária de imóveis, que acusam por força da averbação 01, o transporte de servidão perpétua de passagem, beneficiando os imóveis dominantes de propriedade de Joaquim da Costa Borges e José Xavier de Gouvêa. Que o ato de oneração foi instaurado por força da inscrição 23.426, gerando a averbação junto à matrícula 107.576. Apresenta certidão da inscrição, destacando que foi utilizada com base em escritura que não conta com a assinatura de seus outorgantes, carência que nulifica a inscrição e conseqüentemente as averbações feitas nas matrículas 52.719 e 108.379. Acrescentou que a casa de espetáculos instalada nos imóveis dominante, sequer existe atualmente. Ao final, pugnou pela procedência, para efeito de ser declarada a nulidade da inscrição em pauta. Juntou documentos e pugnou pelo processamento. Instado a se pronunciar, o OFICIAL do 4º. CRI, destacou que por escritura lavrada em novembro de 1949, foi efetivada a inscrição 23.426, tendo por objeto o direito real de servidão de passagem perpétua. Apresentou os confrontantes do imóvel. Destacou que a escritura que determinou a inscrição 23.426 foi aditada para constar que a servidão tem "somente por objeto saída de emergência de uma casa de espetáculos localizada nos fundos da referida faixa, bem como se destina a canalização de rede de águas servidoras da casa de espetáculos e ainda acesso lateral de pedestres ao prédio 87 da Rua Dr. Eduardo de Souza Aranha". Acrescentou que a matrícula 108.379 foi aberta por determinação judicial. Acrescentou que na matrícula 107.576, que descreve imóvel correspondente a 14 prédios, também fez menção à inscrição da servidão. O Ministério Público pediu esclarecimentos, destacando ser necessária a citação do titular do imóvel dominante. Realizada a citação da INFRAPREV – INSTITUTO INFRAERO DE SEGURIDADE SOCIAL, apresentou impugnação. Destacou que é proprietário do imóvel objeto da matrícula 107.576/4º.CRI. O Ministério Público se pronunciou pela extinção do feito, destacando que a nulidade do título não é alcançada pelo disposto no art. 214 da Lei de Registros Públicos. É o relatório. DECIDO: Postula a requerente o CANCELAMENTO da averbação 01, mantida junto às matrículas n° 52.719 e 108.379/4°CRI, decorrente da inscrição n° 23.426, lançada com base na ESCRITURA PÚBLICA de SERVIDÃO DE PASSAGEM, lavrada aos 29 de novembro de 1949. Sustentou, com base em CERTIDÃO expedida pelo 19° Tabelionato de Notas da Capital, que a ESCRITURA de SERVIDÃO é NULA DE PLENO DIREITO, por ter sido lavrada sem a subscrição dos outorgados (Joaquim da Costa Borges e José Xavier de Gouveia), titulares do imóvel dominante. O cancelamento da averbação "01" das matrículas 52.719 e 108.379, em decorrência da NULIDADE da inscrição 23.426, não pode ser proclamado nestes autos, não em decorrência da IMPOTÊNCIA do procedimento administrativo correcional para tais efeitos, como sustentou o Ministério Público, mas apenas porque não se materializou NULIDADE PLENA da ESCRITURA DE SERVIDÃO, em face da falha, da omissão ou da ausência detectada e apontada por CERTIDÃO. Por evidente que a SERVIDÃO é um encargo, de consistência "real", que onera o imóvel serviente, a favor do imóvel dominante, retirando daquele, "parte" da disponibilidade ínsita ao exercício pleno da propriedade. Sendo encargo, ônus, oneração, gravame, relevante para o seu aperfeiçoamento, que haja o devido CONSENTIMENTO dos titulares do imóvel serviente. A não subscrição dos titulares do imóvel dominante, anuindo com o aperfeiçoamento do ATO que os beneficia, materializa ATO ANULÁVEL, pois incide na forma e formalização da VONTADE, tal como preceitua o art. 86 e seguintes do novo Estatuto Civil. Tal subscrição, conquanto componha a ESSÊNCIA do ATO, não nulifica a manifestação de vontade, pois despida de onerosidade para os ausentes ao ato. O ato se materializou com a assinatura dos titulares do imóvel serviente, e se aperfeiçoaria com a subscrição dos titulares do imóvel dominante, contudo a ausência destes ao ATO, provoca apenas a sua ANULABILIDADE e não a sua nulidade, na medida em que este ato comporta convalidação, pelos próprios ausentes ou seus sucessores. No presente feito houve a CITAÇÃO dos atuais titulares do domínio, que apresentaram IMPUGNAÇÃO ao pedido de desconstituição do ATO. Manifestaram, destarte, pela validade do ATO e por sua manutenção, o que pode ser tido como ato de convalidação. O REQUERENTE deverá trilhar o caminho contencioso para tentar obter o CANCELAMENTO da servidão, nos exatos termos do art. 709 do Código Civil, devendo provar o "não uso", ou qualquer outra matéria elencada na disposição normativa. Portanto, imprestável para os efeitos colimados a utilização de procedimento escudado no art. 214, da Lei de Registros Públicos, na medida em que não se vislumbra NULIDADE do ato de registro. Ressalte-se, por oportuno, que as nulidades simplesmente do REGISTRO ou do registro e do título, podem e devem ser proclamadas na forma estatuída no art. 214 da LRP, não havendo qualquer impedimento, qualquer inconveniente jurídico, ou qualquer obstáculo LEGAL para tal propósito. Sobre este tema o professor Serpa Lopes, destacou que as NULIDADES, do ponto de vista registral, podem ser classificadas como: (a). – nulidade exclusivamente formal, inerente tão-só ao próprio registro; (b). – nulidade mista, isto é, a que atinge tanto o título que deu causa ao registro como a este, tornando, em ambos, o ato ineficaz, por si mesmo; (c). – nulidade do ato jurídico que deu causa ao registro, em que a nulidade deste ocorre obliquamente, e não diretamente, como nos dois primeiros casos "(in Tratado dos Registros Públicos, 1942, volume IV, pag. 305). Esta classificação foi utilizada por Afrânio de Carvalho, que chegou a concluir que as "nulidades" que admitem o cancelamento são aquelas inerentes ao próprio procedimento de "registro". O prestígio dos renomados mestres fez perpetuar a classificação e a conclusão, que passou a ser empregada e utilizada na solução de um grande número de contendas judiciais e administrativas, tendo gerado um número incontável de decisões neste sentido. Entretanto, em que pese a reverência e o respeito que os insignes mestres merecem, a RESTRIÇÃO, a limitação procedimental não reflete o melhor direito, a melhor dicção legal e o melhor manejo interpretativo. Em primeiro lugar é de se alertar que o ESTADO DE DIREITO proclamado em nossa CARTA POLÍTICA FEDERAL, tem sentido e dinâmica diversa em termos de conteúdo e abrangência, daquela que vigia quando tais ensinamentos foram lançados e ministrados. A preservação dos DIREITOS FUNDAMENTAIS, não se esgota apenas com a concessão de oportunidade para DEFESA, recebida e processada com observância do CONTRADITÓRIO e refletida em DECISÃO FUNDAMENTADA. O "estado de direito" exige mais. Impõe que os MECANISMOS que se prestam a viabilizar o due process of law, sejam úteis, ágeis e operativos, de forma que não se pode submeter um titular de direito a um procedimento lento e formal, quando exista outra forma, outro procedimento mais rápido e mais e ágil. Esta posição, atualmente encampada também pelos estudiosos do "direito civil constitucional", que extraem do CÓDIGO CIVIL a consagração de princípios como o da UTILIDADE e OPERACIONALIDADE, exige que a via procedimental mais rápida não seja mitigada ou evitada por interpretações mesquinhas, restritivas e inconsistentes. Desta forma, quando a LRP estabelece em seu art. 214, que as NULIDADES DE PLENO DIREITO DO REGISTRO, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta, não restringe apenas aos casos de nulidade ínsita ao ATO DE REGISTRO, mas toda e qualquer nulidade (- desde que PROVADA -), que o contamine. Por imperativo lógico, a contaminação pode ter sido transmitida, como normalmente ocorre, por defeito do TÍTULO, e assim mesmo, continuar a ser NULIDADE DE PLENO DIREITO DO REGISTRO. Cuidando-se de NULIDADE, pouco importa a origem, pouco importa o momento, pouco importa a forma de contaminação, este vício provoca a ineficácia do ATO ou dos ATOS atingidos. Este é o único RELEVO que o DIREITO empresta à situação, pois sendo IRREGULAR, tal vício deve ser superado, deve ser suplantado, sendo irrelevante o fato do VÍCIO ser interno do ato de REGISTRO ou transmitido a este pelo TÍTULO CAUSAL. Portanto, quando a lei alude a NULIDADE DE PLENO DIREITO DO REGISTRO, não envolve as nulidades materializadas exclusivamente no próprio ATO DE REGISTRO, mas toda e qualquer NULIDADE que tenha retirado deste (ato de registro), seus efeitos jurídicos próprios. Assim, o ATO DE REGISTRO é nulo ou porque se mostra insitamente irregular, ou porque nulo o "título" que lhe deu causa. Pouco importa para o contexto registral, ambos não podem produzir efeitos. Seria de todo imprestável o art. 214, em se confinando o vício ao ATO DE REGISTRO, posto que tais irregularidades, que decorrem de uma constatação registral interna, podem e devem ser DECLARADAS como ERRO EVIDENTE, nos termos do § 1°, do art. 213 da mesma lei. Observe-se ademais que as NULIDADES, como elenca o art. 145 do Código Civil, decorrem da INCAPACIDADE dos agentes, da ilicitude do OBJETO ou do descumprimento de FORMALIDADE essencial ao ato. O ato de registro, como reflexo do título causal, não ostenta isoladamente tais vícios ou descaminhos, pois a incapacidade é revelada no título, assim como a ilicitude, bem como o vício formal, posto que o registro sem CAUSA sequer consubstancia ATO NULO, mas sim ATO INEXISTENTE. Se as nulidades somente impregnam o TÍTULO, não se pode LOGICAMENTE proclamar NULIDADE DE PLENO DIREITO desconsiderando a origem. Aqueles outros episódios em que o ato de registro é falho, pois em desacordo com seus precedentes registrais e filiatórios (impropriamente tidos com nulidades), como destacado, merecem correção para via do ERRO EVIDENTE e não pela forma do art. 214 da LRP. Portanto, o art. 214, para conquistar sentido e efeito, deve logicamente considerar todas as NULIDADES DO ATO DE REGISTRO. Assim, quando a lei alude a NULIDADE DE PLENO DIREITO, está enfocando as NULIDADES cuja proclamação estejam revestidas de certeza e de eficácia, de forma que, em se tratando de NULIDADES do título causal, estas devem ser reconhecidas em decisão judicial, proferida em demanda judicial de cunho contraditório, bem como, em decorrência da proclamação de CERTIDÕES dotadas de fé-pública. O art. 214 não tem dicção restritiva, pois não existe coerência e UTILIDADE em se limitar a extensão do dispositivo, quando o reconhecimento da NULIDADE já se encontra eficazmente proclamado em decisão judicial ou em certidão pública. Ao intérprete é defeso criar restrições e limitações não apresentadas pelo legislador. Destaque-se, por oportuno, que o TÍTULO CAUSAL que não tem aptidão para ingressar no Registro Imobiliário, pelos mesmos motivos, também não poderá permanecer REGISTRADO. A mesma vontade legal que impede a "qualificação", impõe a sua exclusão. Trata-se de mais um argumento para se dar fluidez ao salutar controle dos ATOS NULOS. Portanto, as NULIDADES DE PLENO DIREITO são as plenamente provadas e comprovadas por ação judicial ou por documento público. No caso sub examine, tal proclamação não pode ser dada, não em face da inviabilidade PROCEDIMENTAL, mas apenas porque não se reconhece que se trata de NULIDADE e sim de ANULABILIDADE. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de CANCELAMENTO da averbação 01, lançada junto às matrículas 52.719 e 108.379/4°CRI (160.047). Cientifique-se o requerente e o impugnante. P.R.I.C. São Paulo, 17 de Setembro de 2003. Venício Antônio de Paula Salles Juiz de Direito Titular
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
5009
Idioma
pt_BR