Notícia n. 5730 - Boletim Eletrônico IRIB / Março de 2004 / Nº 1067 - 23/03/2004
Tipo de publicação
Notícia
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Edição
1067
Date
2004Período
Março
Description
II Encontro Ibero-americano de direito registral – Cartagena de Índias, Colômbia. - Sobre a Qualificação de Títulos Judiciais no Brasil * Contribuição ao II Encuentro Iberoamericano sobre Registro de la Propiedad y Tribunales de Justicia em Cartagena de Indias, Colombia - De 1º a 3 de março de 2004. * - Por Flauzilino Araújo dos Santos – 1º Registrador de Imóveis de São Paulo – Capital - SUMÁRIO: 1. Antecedentes registrais e o direito brasileiro – 2. Os títulos judiciais – 3. Títulos judiciais e ordens judiciais – 4. A qualificação registral dos títulos judiciais e das ordens judiciais – 5. A função qualificadora do registrador – 6. A suscitação de dúvida como reexame da qualificação – 7. Considerações finais. Javier Gómez Gálligo, Flauzilino A. Santos e Enrique Rajoy Brey. 1. Antecedentes registrais e o direito brasileiro Quando o Brasil foi descoberto, em 1500, o Rei de Portugal, na qualidade de descobridor, adquiriu sobre o território o título originário da posse. Investido desse senhorio, a Coroa de Portugal, por meio de doações, feitas em cartas de sesmaria, começou a destacar do domínio público as parcelas de terras que viriam a constituir o domínio privado. Esse regime prevaleceu até a Independência do Brasil, em 1822. Com o advento da Independência, o nascente Império do Brasil arrecadou da Coroa Portuguesa o domínio das terras e de todos os bens do acervo lusitano situados no Brasil. Porém, daquela data até 1850, desenvolveu-se progressiva ocupação do solo, sem qualquer título, mediante a simples tomada de posse. Ainda ao tempo do Império, pela Lei n. 601, de 18-9-1850 regulamentada pelo Decreto n. 1.318, de 30-1-1854, foi instituído o registro paroquial, também conhecido como “registro do vigário”, separando assim do domínio público todas as posses que fossem levadas ao livro da Paróquia Católica Romana. A titulação de terras consistia então em documentos expedidos pelo Governo, dos registros das posses manifestadas perante o vigário e dos contratos de transmissão com apoio em uns e outros documentos originais, bem como nos que se lhes seguiram por atos inter vivos e causa mortis. A situação imobiliária se apresentava, então, extremamente insegura, mormente por ficar dispersa por meio de títulos em mãos de titulares, já que a tradição, que era o meio de transmissão da propriedade imóvel, foi sendo reduzida à cláusula constituti, em virtude da qual o comprador adquire a posse sem qualquer reflexo externo, o que dava origem a sucessivas alienações e onerações clandestinas. Era essa a situação imobiliária, quando pela Lei Orçamentária n. 317, de 21-10-1843, regulamentada pelo Decreto n. 482, de 1846, foi criado o Registro de Hipotecas, voltado para proteção do crédito, posteriormente transformado pela Lei n. 1.237, de 24-9-1864, em Registro Geral, substituindo a tradição pela transcrição como meio de transferência. Seguem-se os Decretos ns. 169-A, de 19-1-1890 e 370, de 2-5-1890, baixados pelo governo republicano provisório e que tornaram obrigatória a inscrição e especialização de todo direito real de garantia incidente sobre bem imóvel, inclusive quando se tratasse de hipoteca judiciária. O sistema era voltado para os direitos reais de garantia, especialmente para a hipoteca. A transcrição não ostentava sequer valor juris tantum de prova de domínio, produzindo apenas uma publicidade formal, da qual, inclusive, expressamente eram deixados de lado as transmissões causa mortis e os atos judiciais, pois, com respeito aos últimos, tal como o previsto pelo art. 237 do referido Decreto n. 370, bastava a publicidade oriunda do processo, preceito que perdurou até o advento do Código Civil de 1916. O Código Civil, que entrou em vigor em 1917, aperfeiçoou a Lei Registral, adotando os princípios básicos inerentes ao sistema e determinou que todas as transmissões fossem transcritas no Registro de Imóveis e que todas as hipotecas fossem especializadas. Todavia, deixou espaço para divergências que foram posteriormente superadas pelas edições dos Decretos ns. 4.827, de 7-2-1924, 4.857, de 9-11-1939 e da vigente Lei dos Registros Públicos – Lei n. 6.015, de 31-12-1973. No sistema jurídico brasileiro é pacífica a necessidade de um ato inscritivo (registro ou averbação) na constituição, transmissão, modificação e extinção de direitos reais imobiliários e nos fatos modificativos das situações a eles correspondentes, que tenham como pressuposto título ou documento extrajudicial ou judicial, cumprindo, assim, os objetivos da publicidade registral. Dito isto, é estreme de dúvida que determinados atos ou títulos judiciais devem acessar o caderno registral, quer seja no interesse direto das partes interessadas, quer seja para o efeito de publicidade registral que vise, principalmente, direitos e eventuais interesses de terceiros, e, em globo, interesses de ordem pública, visto que o Registro Imobiliário se constitui em uma âncora da estabilidade econômica e jurídica do País, à medida que oferece um conjunto de ferramentas eficazes que garantem o funcionamento e a credibilidade da economia de mercado no âmbito interno e externo. volta 2. Os títulos judiciais A Lei dos Registros Públicos estabelece no art. 221 que serão admitidos a registro entre outros títulos, os títulos judiciais formalizados por cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de processo. Os títulos judiciais são expedidos por organismos jurisdicionais, no desempenho de suas funções decorrentes de processos de jurisdição voluntária e contenciosa. O Código de Processo Civil Brasileiro relaciona e conceitua, em seu art. 162, três categorias de pronunciamentos do Juiz no processo, quais sejam: sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Sentença é o ato pelo qual o Juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa (§ 1º). Decisão interlocutória é o ato pelo qual o Juiz, no curso do processo, resolve questão incidente (§2º). São despachos, todos, os demais atos do Juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento das partes, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma (§3º). A decisão final em processo proferida pelos Tribunais recebe o nome de acórdão (CPC, art. 163). Em princípio, não cabe ao registrador perquirir de que pronunciamento do Juiz decorreu a formalização do título judicial, uma vez que, embora a maioria dos títulos derive de sentenças, que podem ser declaratórias, constitutivas, condenatórias e homologatórias, podem originar-se, também, de decisões interlocutórias (p.e. decretação de ineficácia de alienação em caso de fraude à execução) e de simples despachos (p.e. deferimentos de petições em procedimentos cautelares específicos). Por óbvio que qualquer título judicial deve conter os requisitos exigidos para sua formalização. Assim, a carta de sentença deve conter os requisitos do art. 590; o formal de partilha, os do art. 1.027; a certidão de ato processual, o do art. 36 etc. A Lei de Registros Públicos inclui entre os títulos judiciais que acessam o registro imobiliário as sentenças proferidas por Juizes estrangeiros, quando tenham por objeto imóveis situados no Brasil, após regular homologação pelo Supremo Tribunal Federal (art. 221, III). [[1] "Note-se que para efeitos de registro o título hábil não é a sentença estrangeira, mas, sim, a carta de sentença expedida pelo E. Supremo Tribunal Federal", conforme registrou ADEMAR FIORANELLI no excelente Direito registral imobiliário. Porto Alegre: Safe/Irib, 2001, p. 127. 1] Por oportuno salientar que em se tratando, porém, de sucessão causa mortis envolvendo imóveis situados no território nacional, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do País, a competência para proceder ao inventário e partilhar os bens é da autoridade judiciária brasileira (CPC, art. 89). volta 3. Títulos judiciais e ordens judiciais O veículo por meio do qual as decisões judiciais emigram dos autos para o álbum registral constitui o que de forma genérica se convencionou, impropriamente, denominar de título judicial, que pode ser formalizado pela forma tradicional, que é o papel, ou por meio de documento eletrônico. [[2] A utilização de documento eletrônico no País é largamente utilizada pela administração pública federal, além de bancos e empresas e está disciplinada na Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil e em resoluções de seu Comitê Gestor, vinculado à Casa Civil da Presidência da República(http://www.icpbrasil.gov.br, acesso em 26.02.2004). Desde 27.12.2002 a Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG-BR encontra-se, oficialmente, credenciada pela ICP-Brasil para atuar como Autoridade de Registro (AR) vinculada à Autoridade Certificadora (AC), o Serviço Federal de Processamento de Dados - SERPRO (http://www.anoregbr.org.br/? action=certificadora#, acesso em 26.2.2004).2] Distinção importante tem sido construída pela doutrina a partir da análise do conteúdo desses documentos judiciais em relação ao seu objeto, ou sua causa, ou seu fundamento, para o efeito de segregar títulos judiciais de ordens judiciais e fixar a conduta qualificadora do registrador em função do que a natureza desses títulos exige. [[3] Parecer n. 138/85 do Juiz Ricardo Henry Marques Dip p/ Equipe de Correições da E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, in Decisões Administrativas, RT, 1986, p. 130, n. 65; BERTHE, Marcelo Martins. Títulos judiciais e o registro imobiliário. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: RT, 1997, n. 41, p. 56; BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. O registro de imóveis, os títulos judiciais e as ordens judiciais. Thesaurus Registral, Notarial e Imobiliário, São Paulo: IRIB/ANOREG-SP, 2003, vol. 2, versão 2.0, JACOMINO, Sérgio, Org.3] Neste prisma, impende, em primeiro, observar que o art. 167 da Lei dos Registros Públicos versa quer sobre títulos em sentido próprio (rectius: causa ou fundamento de um direito ou de uma obrigação), quer em acepção imprópria, figurada (ou seja: instrumento documental que exterioriza a causa, ou título em sentido próprio). O preceito que, especificamente, se vincula à idoneidade registrária dos títulos em sentido impróprio é o art. 221 da lei registrária, e, não obstante seu caráter indicativo de interpretação restritiva (ver advérbio ‘somente’ com que se inaugura o caput), cumpre observar, que, por interpretação sistemática, viabiliza-se o ingresso de cartas de arrematação e adjudicação em hasta pública (art. 167, I, nº 26, LRP, art. 703 e 715, CPC) de cédulas de crédito industrial e rural (art. 167, I, 13 e 14, LRP), de memoriais e outros documentos relativos à incorporação imobiliária (Lei 4.591/1964, art. 32) e o loteamento de imóveis rurais e urbanos (Dec.-Lei 58/1937, art. 1º e 4º; Lei 6.766/1979, art. 18). Como assinala Marcelo Martins Berthe, “afigura-se importante fazer esta distinção para que seja possível atingir uma melhor compreensão do que sejam os chamados títulos judiciais, que são o objeto de interesse neste momento”. [[4] BERTHE, Marcelo Martins. Op. cit. p. 58. 4] De fato, o veículo para materialização da causa ou fundamento registrável, advinda de um pronunciamento do Estado-Juiz relativa a uma situação de direito material, será sempre um título judicial em sentido impróprio. “Tais títulos, à semelhança do que ocorre com os chamados títulos não-judiciais ou extrajudiciais, hão de ser levados ao conhecimento do registrador, pois só a consecução do ato de registro poderá, entre particulares, dotar de plena eficácia a decisão judicial antecedente, derivada da declaração da presença de um título legitimário posicionando um dado sujeito de direito diante de um bem imóvel”. [[5] BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. op. cit.5] Por seu turno, as ordens judiciais, embora tenham como instrumental o título judicial denominado “mandado”, raramente trazem em seu conteúdo como lastro de origem a própria causa do ato registrário, senão que resulta de garantia da tutela jurisdicional que o Estado realiza em processo de conhecimento, executivo ou cautelar, na forma e extensão que a jurisdição pode oferecer, “como resposta, especialmente, a situações de urgência e que, dotadas de provisoriedade, demandam certa elasticidade na conformação da decisão judicial”. [[6] BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. op. cit. 6] No direito brasileiro, a regulamentação contida sobre o assunto é extensa, contínua e genérica, uma vez que admitidas estão providências cautelares específicas e inominadas, outorgáveis sempre que condições específicas assim o exigirem.Todavia, por preceito constitucional, o poder geral de cautela do Juiz não é ilimitado a ponto de impedir o exercício de um direito previsto no ordenamento jurídico. Como o Juiz não intervém, de regra, na formação de um negócio jurídico, para criar direitos, extingui-los ou modificá-los, a não ser em caráter excepcional, [[7] Cf. FREDERICO MARQUES, José. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1981. V. I, p. 159, "A formação, mudança ou desfazimento de uma relação jurídica pelas vias jurisdicionais é excepcional. Com a jurisdição, o Estado compõe a lide para restaurar o direito violado, ou para declarar existente, ou não, uma relação de direito".7] por essa razão, normalmente, “os atos praticados com suporte em ordens judiciais não são aptos a criar novas situações jurídicas, isto é, a estabelecer novas posições para novos sujeitos de direito. Diante das ordens, isso sim, ocorrem alterações, em geral limitadoras, de situações jurídicas já existentes”. [[8] BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. op. cit. 8] Em face da diversidade de pressupostos na origem, a distinção entre títulos judiciais e ordens judiciais é de conseqüência prática e deve ser plasmar o comportamento do registrador na formação de seu juízo lógico e crítico de admissibilidade, ou não, da respectiva inscrição registral. volta 4. A qualificação registral de títulos e ordens judiciais A gênese da publicidade registral se dá por ato de registro ou averbação mediante a indispensável apresentação de um título hábil que, ademais, cumpre o princípio da instância. Embora toda a organização registral esteja assentada no princípio da legalidade, razão de ser do álbum imobiliário, entre as formalidades desenvolvidas pelo registrador, distingue-se a função qualificadora dos títulos e documentos apresentados para registro, como o ponto culminante da dinâmica da publicidade registral. É por isso que não obstante a origem jurisdicional do título, é de rigor sua qualificação registral, uma vez que se o ato judicial se mostra apto para inscrição no fólio real, vai desencadear, por força de sua admissibilidade e conseqüente inscrição, o fenômeno registral erga omnes, retro operante à data da apresentação do título no Registro de Imóveis. De forma geral, o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo tem reiteradamente decidido que o fato de ser apresentado título de origem judicial para registro não isenta exame qualificativo dos requisitos registrários, cabendo ao registrador apontar e analisar a existência de eventuais obstáculos registrários. "A circunstância de exibir-se a inscrição título de origem judicial não implica isenção dos requisitos registrários, incumbindo ao registrador: a) verificar a competência (absoluta) da autoridade judiciária; b) aferir a congruência do que se ordena ao registro com o processo respectivo; c) apurar a presença das formalidades documentais; d) examinar se o título esbarra em obstáculos propriamente registrários (p. ex: legalidade, prioridade, especialidade, consecutividade). Não se torna ineficaz ou inválida uma sentença judicial pelo fato de lhe ser vedado o registro, porque essa vedação não interfere com a validade e com a eficácia próprias da decisão judiciária, senão apenas verifica se o título quadra com as exigências do registro imobiliário" (nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo é firme no sentido de que a adjudicação não pode ser inscrita se o demandado, na via judicial, não é proprietário ’secundum tabulas’, v.g. Aps. nºs 279635, 1371, 2156, 2196, 3030, 4686 e 5741-0- D.O.J. 30.07.92).” [[9] Ap. Cível n. 92.906-0/3, da Comarca de Barretos, rel. Des. Luís Tâmbara, DOJ de 20.8.2002, p. 8. 9] Por seu turno, face aos pressupostos de fato e de direito evidentemente encontrados pelo Juiz para concessão da tutela, a ordem judicial, normalmente instrumentalizada por meio de “mandado”, restringe a qualificação desenvolvida pelo registrador, que deverá concentrar-se em aspectos meramente formais, salvo simples indagação quanto as circunstâncias inerentes, tais como a competência e o poder da autoridade judiciária, já que as regras são fixadas por lei, sendo despiciendo perquirir se a decisão tomada sob o império de sede jurisdicional tem ou não amparo em lei. Parece-nos iniludível que emitida a ordem judicial, bem ou mal, o foi sob o império de decisão proferida em feito jurisdicionalizado, o que privilegia sua juridicidade e encarna as garantias que a ordem jurídica confere ao Poder Judiciário para o expedito e resguardado desempenho de sua missão. Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido não ser lícito à Administração proceder qualquer atividade que afronte o comando judicial, sob pena de cometimento do delito de desobediência, hodiernamente consagrado e explicitado no art. 14, VI e parágrafo único do Código de Processo Civil, mesmo quando concedida antecipação de tutela. É o que se lê na ementa do Acórdão do Recurso Especial n. 45362-RS do seguinte teor: “É vedado à Administração agir com desconsideração ao provimento liminar e com desprezo pelo Poder Judiciário sob o argumento de que a decisão liminar não corresponde ao trânsito em julgado da decisão final, porquanto esse argumento sofismático implica negar eficácia à antecipação da tutela que é autoexecutável e mandamental”. No julgamento do Recurso em Mandado de Segurança n. 193-0-SP, em que se discutia a legalidade de cancelamento de averbação de indisponibilidade de imóvel, por falta de previsão legal, determinada por Juiz correcional, no exercício de sua função administrativa, a Quarta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para fins de cancelamento do cancelamento, com ênfase que “Decisão jurisdicional somente pode ser desconstituída pelas vias próprias, sob pena de vulnerar-se o devido processo legal”. [[10] (http://www.stj.gov.br/webstj/, acesso em 26.2.2004). Colecionam-se vários precedentes dessa C. Corte como, CC, 21413/SP e CC 32641/PR, dentre outros.10] Com relação ao comportamento do registrador no exame de legalidade para o cumprimento de ordens judiciais, Afrânio de Carvalho já advertia que, “quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, nem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz”. [[11] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1977, 2 ed., p. 281. 11] Segundo Marcelo Fortes Barbosa Filho, diante de uma ordem judicial, “só poderá o registrador se recusar a dar cumprimento ao comando recepcionado, quando restar caracterizada hipótese de absoluta impossibilidade, como quando determinada a indisponibilidade de bens daquele que não é titular, de acordo com a tábua, de direito real algum, ou antinomia interna, quando, por exemplo, há contradição intrínseca e o documento instrumentalizador da ordem não corresponda ao seu teor”. [[12] BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. op. cit.12] Em vez de resistir ao cumprimento da ordem emanada do Estado-Juiz à guisa da estabilidade de situações patrimoniais inscritas e de seu dever com a segurança jurídica, o registrador deve ter presente, salvante a hipótese de fragrante ilegalidade da ordem, em primeiro lugar, que a prestação jurisdicional é desenvolvida nos termos constitucionais com possibilidade de revisão por instância superior a fim de modificar ou corrigir a sentença ou decisão erroneamente proferida ou, mesmo, sua imediata suspensão quando presentes os requisitos do fummus boni iuris e do periculum in mora. É uma questão inteligente de definição institucional de papéis e responsabilidades com a qual será afastado o fenômeno de dessincronia na atividade estatal prestada pelo Estado-Juiz e pelo Registro Imobiliário. Em segundo lugar, o registrador deve ponderar que a responsabilização civil relativa ao ato registral conseqüente, para o efeito de eventual ressarcimento de prejuízos indevidos, aponta para o próprio Estado, sem direito de regresso contra o registrador, quando esse cumpre mandado judicial regularmente emitido, à exceção de dolo ou culpa, como já sustentamos em outra oportunidade. [[13]Em Sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores (Revista de Direito Imobiliário 49/11 - julho-dezembro de 2000) afirmamos que o registrador não responde pelos prejuízos causados a terceiros, nem mesmo via regresso, ao cumprir ordem judicial emanada da autoridade competente, cuja responsabilidade é do Estado-Juiz e deve ser resolvida dentro da doutrina constitucional contemporânea baseada na teoria do risco social absoluto. 13] Parece oportuno referir-se a manifestação do Supremo Tribunal Federal que colocou fim na discussão sobre a responsabilidade civil pelos atos praticados pelo notário e o registrador, ao adotar a teoria objetiva em virtude da natureza estatal das atividades exercidas em caráter privado por delegação do Estado, o qual detém o monopólio dos serviços registrais responde diretamente pelos danos que seus delegados venham a causar a terceiros, permanecendo os últimos na esfera da responsabilidade subjetiva. [[14] RE 209354 AgR / PR, rel. Min. CARLOS VELLOSO (http://www.stf.gov.br, acesso em 26.02.2004). 14] Ademais, aquele que sofrer um dano injusto em virtude de um erro judiciário, de sorte a provocar a denegação da Justiça, pode promover ação em face do Estado com vistas ao ressarcimento do prejuízo patrimonial e não patrimonial experimentado, como de resto se pratica em todo Estado Democrático de Direito, que não mais tem a preocupação em saber se o ato provém do ius imperii ou do ius gestionis. Ao aludir sobre a responsabilidade estatal relativamente à prestação jurisdicional eivada de imperfeição, Vera Lúcia R. S. Juckovsky afirma que “doutrinariamente, tem sido interpretado como existente tal quadro quando o Magistrado atua com dolo, recusa ou omite soluções a dano das partes; quando o Juiz desconhece ou conhece mal o direito incidente na demanda, de modo a recusar ou omitir o que deve ser dado de direito...”. [[15]JUCOVSKY, Vera Lúcia Rocha Soares. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 69. 15] De tudo que foi dito, porém, deve ser ressaltado que por submissão ao Direito, entre um mandado legal e um mandado judicial, deve se privilegiar o mandado legal, visto que é fundamental a licitude da ordem. Afinal, tem ou não o cidadão a garantia constitucional de que o Estado não interferirá em seus direitos patrimoniais, salvante, as exceções contidas na própria lei? volta 5. A função qualificadora do registrador A observância dos aspectos relativos ao fundo e a forma do título judicial é necessária e indispensável para compor a massa de segurança das relações jurídicas gerada pela qualificação, razão de ser do próprio serviço registral, consoante sonoras palavras do art. 1.º da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973): Art. 1º. Os serviços concernentes aos registros públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta lei. (grifei) É sutil a diferença entre forma e fundo, embora se oponham por ser aquela extrínseca, uma vez que simplesmente afeta a exteriorização do ato, enquanto que o fundo é intrínseco, porque toca de perto a essência ou o conteúdo do ato como condição de sua própria existência ou valia. O fundo é requisito essencial porque o que não satisfaz as exigências ou condições de fundo não possui vida nem conduz valimento legal para produzir a eficácia que o Direito assinala. Por exemplo: embora seja questão de fundo, o Registrador avaliará se o procedimento permitia a expedição da ordem judicial. Não seria lógico que em ação diversa fosse expedido Mandado relativo a situação registral que não foi objeto de apreciação Esta inescusável obrigação, no entanto, não decorre somente da função registrária de oferecer segurança jurídica à sociedade, o que seria suficiente por si só, mas também de expressas disposições legais às quais o Registrador encontra-se vinculado preceptivamente, cujo vetor é o princípio constitucional de segurança jurídica. A Lei dos Registros Públicos (6.015/1973), em seu art. 239, traz requisitos a serem observados nos títulos judiciais que pretendem ingresso no Registro de Imóveis para fins de registro de constrições judiciais, determinando in verbis: Art. 239. As penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis serão registrados depois de pagas as custas do registro pela parte interessada, em cumprimento de mandado ou à vista de certidão do escrivão, de que constem, além dos requisitos exigidos para o registro, os nomes do Juiz, do depositário, das partes e a natureza do processo. Parágrafo único. A certidão será lavrada pelo escrivão do feito, com a declaração do fim especial a que se destina, após a entrega, em cartório, do mandado devidamente cumprido. Também o art. 198 da mesma lei sanciona a função qualificadora do registrador ao dizer que “havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito”. Significa o preceito que o registrador, depois de prenotar o título, deverá, antes de proceder aos atos inscritivos, examiná-lo à luz das exigências legais a ele pertinentes, contidas na própria Lei dos Registros Públicos, na legislação tributária, na legislação civil, comercial ou de outra natureza, que lhe sejam aplicáveis, inclusive, das esferas estadual e municipal, além de estrita observância às normas técnicas e decisões normativas editadas pelo Poder Judiciário, que por disposição constitucional é o órgão fiscalizador dos registradores de imóveis. É, pois, dever do registrador proceder ao exame exaustivo do título exibido, mesmo quando de origem judicial, sob pena de incorrer em responsabilidade, todavia, nem sempre a qualificação registral empreendida pelo oficial é compreendida em seu verdadeiro sentido e alcance, tal como prevista no ordenamento legal vigente, tanto que não poucos registradores já passaram pelo constrangimento de serem intimados de decisões judiciais por despachos do seguinte jaez: “Cumpra-se imediatamente sob pena de desobediência (ou de pena de prisão)”. Isso simplesmente porque, ao examinar um determinado título judicial, considerou-o inapto para a prática do ato de registro ou de averbação determinado pelo Juiz ou mesmo emitiu uma nota com exigência de retificação ou aditamento do título para o efeito de afastar óbice que impedia a prática do ato determinado. [[16] A desqualificação de título judicial que viole os princípios registrários básicos e tornem insegura e descontrolada a escrituração do fólio real, não caracteriza a figura do crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal porquanto esse tipo pressupõe a oposição dolosa e injustificada a uma ordem legal e tal conjunto de elementos não restará integrado quando rejeitado o título, em decorrência de óbice registrário. (cf. parecer do Juiz Marcelo Fortes Barbosa Filho no Processo n. 9002/2000 da Comarca de Americana, publicado no DOJ de 11.4.2000, p. 3). 16] Parece que vários fatores, embora distintos, completam-se e corroboram para que essa situação se instale e leve certos grupos a pugnarem pela limitação do controle de legalidade exercido pelo oficial registrador via qualificação. Primeiro, porque existe uma infeliz prática registral de devolução do título ou emissão da Nota de Exigência de forma resumida (p.e. apresentar certidão de casamento dos executados), por vezes, até em papeletas grampeadas no título, sem a imprescindível exposição das razões e dos fundamentos que justificam a tomada de decisão do oficial registrador na edição do ato de negação de acesso do título judicial ao caderno registral. O oficial deve considerar que, em virtude de sua condição de delegado do serviço público, operando em nome do Poder que o credenciou para o exercício de uma atividade essencial, os atos que pratica em razão de seu ofício são atos administrativos. Esses atos, para regular ingresso no mundo jurídico devem ser estruturados nos princípios que norteiam, informam e fundamentam o Direito Administrativo, impondo-se, portanto, que no seu pronunciamento consubstanciado em eventual Nota de Devolução do Título Judicial, fiquem estampadas de maneira precisa e clara as razões de fato e de direito que o levaram a proceder daquele modo. Quando o registrador examina um título e o declara conforme a lei e lhe dá abrigo no arquivo registral imobiliário ou o desqualifica, a exemplo da atividade judicial saneadora do processo, pratica ato típico de jurisdição voluntária, imparcial, com independência e soberania; todavia, a nosso aviso e com o máximo respeito por fortes opiniões em contrário, a natureza jurídica qualificadora do registrador consiste em autêntica função administrativa, visto que está adstrito ao ordenamento jurídico positivo, não lhe sendo facultado, em razão do estreito limite da qualificação, valer-se de elementos subsidiários para construção de seu juízo fora do direito normativo, como, por exemplo, do direito costumeiro, do direito comparado, da determinação eqüitativa do direito etc. Como muito bem salienta Adriano Damásio, “o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva”. [[17]DAMÁSIO, Adriano. Limite das medidas provisórias. In: MOTA DE SOUZA, Carlos Aurélio (Coordenador). São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p. 68. 17] Tratando da legalidade para o administrador público Elcio Trujillo aponta que “a legalidade na Administração não se resume à ausência de oposição à lei, mas pressupõe autorização dela, como condição de sua ação”. [[18] TRUJILLO, Élcio. Responsabilidade do Estado por Ato Lícito. São Paulo: LED, 1996, p. 90. 18] Por oportuno lembrar que o uso na justificativa da devolução do título de expressões genéricas como “para os devidos fins”, “para fins de direito”, e outras assemelhadas, não servem para motivar o ato de interdição do título pelo oficial registrador, configurando mera logomaquia. [[19] CRETELLA JÚNIOR, José. Dos atos administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 270, n.140 19] A Constituição Federal, no seu art. 37, preceitua que a Administração Pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Na mesma direção a Constituição Paulista em seu art. 111 amplia esse rol, acrescentando, de forma explícita, os princípios da razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público, como de observância obrigatória pela Administração Pública direta, indireta e fundacional, incluídos nessa categoria de entes públicos, por conseqüente lógico, os serviços delegados de notas e de registro. Ensina Celso Antônio que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”. [[20] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, in Revista de Direito Público 15/284. 20] Urge, então, que o Registrador de Imóveis estruture a Nota de Exigência nos termos estabelecidos pela Lei de Registros Públicos, por outras normas jurídicas pertinentes e pelos princípios de direito registral e de direito administrativo, sob pena de ficar o ato inquinado de vício de legalidade e adentrar de forma precária ao mundo jurídico, com sua validade comprometida, podendo, até, ser por este abortado, já que não se tolera a inércia ou o relaxo administrativo. Em segundo, poder-se-á apontar a especialização excessiva em determinados ramos do direito, com
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
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5730
Idioma
pt_BR