Notícia n. 5541 - Boletim Eletrônico IRIB / Fevereiro de 2004 / Nº 1026 - 18/02/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1026
Date
2004Período
Fevereiro
Description
VALOR ECONÔMICO – 10/2/2004 - Crise fez crescer número de favelados - Cynthia Malta Pode ser maior do que o calculado até agora o número de favelados na cidade de São Paulo. Segundo dados do Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município possui 2,2 milhões de pessoas morando em 1.905 favelas, o que corresponderia a quase 22% de sua população. Os últimos três anos foram períodos consecutivos de aumento do desemprego combinado a um achatamento da renda, não apenas em São Paulo, mas no país, lembra o secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, Márcio Pochmann. "Não descarto a possibilidade dessa população nas favelas ser maior hoje pois, de 2001 até agora, o desemprego veio aumentando e a renda caindo", disse Pochmann ao Valor. A situação do desemprego agravou-se em 2003. Segundo dados do IBGE, a taxa de desemprego média no país em 2003 foi recorde, batendo em 12,3% - em 2002 havia sido de 11,7%. Na região metropolitana de São Paulo, o desemprego também foi recorde no passado, batendo em 19,9%, segundo pesquisa da Fundação Seade/Dieese. A renda, por sua vez, fez o caminho inverso e caiu ainda mais. A renda média das pessoas ocupadas em dezembro passado no país, também segundo o IBGE, encolheu 12,5% em relação a dezembro de 2002. E a região metropolitana a apresentar a queda de renda mais expressiva no país foi justamente a de São Paulo, com 15,3%. Pochmann avalia que essa combinação perversa de indicadores não apenas pode ter ampliado o número de favelados na cidade, "mas mesmo nos bairros de classe média, houve aumento da pobreza”. O secretário tinha, no ano passado, a meta de levar programas sociais a 1.500 favelas, beneficiando 84 mil famílias, até abril próximo. "Acho que já superamos isso", disse. Ainda assim, observa, o atual quadro exige mais, tanto do poder público quanto do setor privado e organizações não-governamentais (ONGs). Ele defende maior integração e coordenação de ações sociais empreendidas por esses atores: "Hoje, cada empresa faz a sua ação, separadamente. É como plantar trigo em vaso. Pode até ficar bonito, mas não se resolve o problema da pobreza com ações isoladas", diz o secretário. As empresas, observa, devem implantar projetos sociais que sejam complementares às ações desenvolvidas pelos governos. Mas a mudança de postura, continua, deve começar pelo próprio poder público "que acha que só ele sabe fazer as coisas." Algum progresso nessa linha, acredita, já se nota na atual gestão do PT na esfera federal. "O presidente Lula está dando continuidade aos programas sociais que já existiam (no governo FHC). Pode ter mudado de nome, mas são os mesmos programas", disse. O setor privado, em sua opinião, poderia ajudar mais a minorar o sofrimento nas favelas, por exemplo, se implementasse projetos que abrissem vagas de emprego e programas de qualificação profissional. É o caso da favela Real Parque, onde um grupo de 33 empresários está treinando adolescentes para fazer um novo e censo e com isso habilitá-los como pesquisadores. Está nos planos do secretário "coordenar mais ações com eles”. A favela Real Parque, localizada na região sul da cidade - entre a Marginal Pinheiros e o elegante bairro do Morumbi - possui menos de 3 mil moradores, segundo dados oficiais do IBGE. Mas, técnicos do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), formado por 33 empresários, estimam que a favela abrigue cerca de 10 mil pessoas. "Os recenseadores do IBGE, provavelmente, não entraram nos becos da favela", diz a gerente de projetos do ICE, Maria Célia Tanus. Maria Célia, do ICE, coordena um trabalho inédito, que é levantar perfil, necessidades e habilidades dos moradores da favela. O trabalho começou em novembro, quando dez adolescentes que moram na favela receberam treinamento para fazer a pesquisa. Os jovens recebem, auxílio mensal de R$ 100,00 cada um e já conseguiram entrevistar, desde dezembro, 440 domicílios. Há cerca de 2,5 mil barracos na favela, além de palafitas e prédios populares, do projeto Cingapura. Os moradores, no início, ficaram desconfiados pois imaginavam que por trás das perguntas sobre ocupação, renda, escolaridade, etc., estivesse um plano da prefeitura de mudá-los de lugar. "Tivemos que suspender a pesquisa, pois as portas não se abriam. Depois de tudo explicado, começou a funcionar", lembrou Maria Célia. A remoção de favelados para outros lugares, aliás, não é uma política bem vista pelo secretário Pochmann. Ele informa que a remoção é feita apenas quando a região oferece risco aos moradores, como inundações, por exemplo. "Acho muito interessante a urbanização de favelas feita no Rio, que permitiu que famílias deixassem de ser pobres e passassem a ser de classe média baixa”, disse o secretário. Na favela Real Parque, a tabulação dos primeiros 440 questionários está sendo feita por funcionários do Deutsche Bank, que é associado do ICE. São necessários mais dois ou três meses para terminar a coleta. "Mas estamos sem recursos para treinar mais adolescentes. O grupo atual é pequeno", diz Maria Célia. A favela Real Parque começou a ser formada em 1956, segundo o antropólogo Renato Athias, quando índios da tribo pankararu decidiram sair de Pernambuco para procurar emprego em São Paulo. Naquela época, obras de grande porte estavam sendo construídas na região do Morumbi - como o estádio de futebol e o Palácio dos Bandeirantes - e os índios decidiram fixar moradia nas proximidades. Hoje, há menos de 4 mil índios pankararu vivendo nas cidades de Petrolândia e Tacaratu. Na favela Real Parque, vivem cerca de 400, entre descendentes dos primeiros pankararus e índios que vieram para São Paulo depois de 1956. A favela Real Parque, onde trabalham mais de 20 entidades sociais, já possui creche, programa de reciclagem de lixo, cooperativa para produzir pão, uma escola para 600 crianças de 4 a 6 anos, que funciona em três turnos, e um centro cultural. A escola e o centro cultural foram construídos no ano passado pelo ICE num terreno de 3,5 mil metros quadrados cedido pela Prefeitura de São Paulo. "Conseguimos captar R$ 5 milhões para a construção. Foi um ano atípico de muitos gastos", diz Maria Célia, que neste ano estima que R$ 1,5 milhão sejam suficientes para manter os projetos do ICE na região. O instituto foi criado em 1997 para cuidar exclusivamente da favela Real Parque e do Jardim Panorama (bairro vizinho, igualmente pobre) e oferece atividades culturais para jovens de 12 a 21 anos na região. Em 2003, pouco mais de 400 jovens dessa faixa etária foram atendidos. O objetivo final do ICE é fazer funcionar, em quatro anos, um conselho formado por moradores, empresários e representantes do poder público para cuidar dos projetos sociais na favela. (Valor Econômico/SP, Seção: Especial, 10/2/2004, p.A16).
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