Notícia n. 10208 - Boletim Eletrônico IRIB / Outubro de 2007 / Nº 3156 - 04/10/2007
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
3156
Date
2007Período
Outubro
Description
Multipropriedade imobiliária e o registro de imóveis - Leia o estudo do registrador Marcelo Augusto Santana de Melo, que fez parte da mesa que debateu a multipropriedade no XXXIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, no dia 25 de setembro. Confira também, no BE 3145, trabalho sobre o mesmo tema apresentado pelo advogado Frederico Henrique Viegas de Lima. Marcelo Melo, Frederico H. Viegas de Lima e Lincoln Bueno Alves Multipropriedade imobiliária Marcelo Augusto Santana de Melo* "No Brasil tudo que foge da rotina acaba em tropeços" (D. Pedro II) Introdução Um tema que sempre nos intrigou foi o da multipropriedade imobiliária, time sharing ou aproveitamento por turno. Primeiro, por não conseguir entender o porquê de sua não utilização no sistema registrário brasileiro, visto que o Brasil possui uma das maiores vocações turísticas do mundo e a utilização de um instituto que permita compartilhar espaços de tempo entre proprietários distintos se adaptaria perfeitamente a essa finalidade. Além, é claro, de proporcionar um aproveitamento adequado à propriedade, mais voltado à sua função social estabelecida em cláusula pétrea da Constituição federal. Segundo, porque acredito que o Brasil já possui os instrumentos jurídicos apropriados para a utilização segura da multipropriedade imobiliária, conforme tentaremos expor no decorrer deste trabalho, o que nos afasta, neste momento, de discutir e adentrar na complexidade da análise da taxatividade dos direitos reais, dogma presente em nossas doutrina e jurisprudência. O estudo da finalidade econômica do Registro de Imóveis também me impulsionou a escrever o trabalho, porque a multipropriedade imobiliária pode desempenhar um papel importante no mercado imobiliário, fomentando os negócios jurídicos em zonas turísticas. Assim, nossa finalidade não é estudar com exaustão o instituto da multipropriedade imobiliária, existindo obras de fôlego nas doutrinas nacional e internacional, mas demonstrar que o Registro de Imóveis do Brasil está preparado para sua ordinária utilização. Funções social e econômica da propriedade A Constituição federal no artigo quinto, inciso XXII, dispõe expressamente que a propriedade atenderá à sua função social. Posteriormente, no artigo 170, inciso I, declara que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados dentre vários princípios,o da propriedade privada. O Código Civil de 2002 seguiu a Carta Magna Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Alexandre de Moraes comentando o direito de propriedade, assim leciona: A referência constitucional à função social como elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo, demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade, visando também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens, objeto de domínio, deve cumprir” (Direitos humanos e fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 173). Muito se tem debatido na doutrina sobre o verdadeiro alcance do conceito de função social da propriedade, principalmente no sentido de mudança das próprias características da propriedade privada. Não há dúvidas de que o comando constitucional delimitou um rumo para os operadores do direito, de que a propriedade já não ostenta o mesmo caráter individualista de séculos, devendo em sua utilidade não apenas satisfazer necessidades do proprietário, mas também a uma coletividade, mesmo que reflexamente. Mas é preciso salientar que a Constituição federal não outorgou à propriedade uma função social absoluta, o próprio conceito jurídico é indeterminado e depende sempre de lei em sentido estrito, delimitando seu conteúdo, mormente nas hipóteses em que a propriedade sofre alguma limitação. Ignacio Pereira Piñedo nesse sentido aduz: La función social de la propiedad es un concepto jurídico indeterminado, variable em el tiempo, y que deberá ser definido por el legislador en cada caso concreto, com arreglo al reparto de competências constitucional y estaturiamente establecido. En ocasiones será, por tanto, el Estado, el que defina cuál es la función social que la propiedad deba cumplir” (Propiedad y Derecho Constitucional, Colegio de Registradores de la Propiedad de España, Madrid, 2005, p. 179). Assim, quando se trata de limitação ao direito de propriedade, podemos afirmar que somente lei poderá estabelecer o conteúdo dela com relação à função social, no entanto, a Constitucional federal estabeleceu um princípio ou características que devem se agregar ao próprio conceito da propriedade, regra essa que deverá ser utilizada para interpretações extensivas ou analógicas. Multipropriedade ou time sharing Conceito Gustavo Tepedino leciona que basicamente “com o termo multipropriedade designa-se, genericamente, a relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua (Multipropriedade imobiliária, Editora Saraiva, São Paulo: 1993, p. 1). O artigo 45 da Lei Federal de Turismo da Espanha assim define o instituto: Se entende por multipropriedade o direito que adquire o comprador para usar o apartamento, vivenda, casa ou local de que se trata, por um período determinado de tempo ao ano”. Dario da Silva Oliveira Júnior e Victor Emanuel Christofari assim conceituam multipropriedade imobiliária: Relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, coisa essa repartida em unidades fixas de tempo, de modo a permitir que diversos titulares possam utilizar-se daquela coisa com exclusividade, cada um a seu turno, de maneira perpétua ou não” (Multipropriedade – “Time Sharing”. Aspectos Cíveis e Tributários, Lumen Juris, Rio de janeiro: 2000, p. 1). Interessante o conceito utilizado por Maria Helena Diniz: O sistema time sharing ou multipropriedade imobiliária é uma espécie condominial relativa aos locais de prazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em unidades fixas de tempo, assegurando a cada co-titular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual” (Curso de Direito Civil Brasileiro, 4º volume, Editora Saraiva, São Paulo:2002, p. 212). Ultimamente no mercado imobiliário mundial tem-se especulado muito com relação à multipropriedade imobiliária como possibilidade de uma segunda propriedade para desfrutá-la em períodos de férias. Uma fórmula que nasce com o aumento do turismo e de uma insuficiente oferta que acolha a totalidade da demanda turística, aparece como medida ótima para o mercado imobiliário e demasiadamente atrativo para o consumidor. A idéia é simples: o mesmo imóvel é compartilhado e desfrutado por múltiplos usuários por turnos, de maneira que seu preço sempre será mais barato e, ao mesmo tempo, pressupõe uma operação rentável para empreendedores imobiliários. Outro fator importante é o social como salientamos, quem tem a oportunidade de comprar uma propriedade de descanso em zonas turísticas acaba por não aproveitá-la adequadamente, deixando-a a maior parte do ano fechada, o que atrapalha o desenvolvimento da região e não gera empregos. Origem Esse sistema de aproveitamento da propriedade surgiu pela primeira vez na França, chamado inicialmente de multipropriéte, posteriormente foi conhecido como pluripropriéte, propriéte spatio-temporelle, copropriété saisonniétere e droit de jouis-sance à temps partagé. A Itália foi o segundo país a utilizar o sistema, denominando-o de proprietà spazio-temporale. Em Portugal como direito real de habitação periódica a na Espanha como multiproiedad e nos Estados Unidos como time-sharing. Características Muito difícil relatar e estudar as características do sistema de multipropriedade sem existir no Brasil legislação nesse sentido. No quadro abaixo, relatamos os diversos tratamentos conferidos ao instituto no mundo, todavia, é possível identificar nos conceitos acima algumas características gerais comuns aos diversos instrumentos utilizados. Em qualquer das hipóteses existirá sempre o interesse turístico e a transmissão ou cessão de imóvel vinculado a um espaço de tempo. Espécies a) Multipropriedade acionária Nessa espécie de multipropriedade, a princípio utilizada na Itália, é constituída uma sociedade anônima, que será proprietária do imóvel no qual será repartida a utilização, sendo que a chave dessa espécie é a criação de ações específicas representativas da fração de tempo que o detentor poderá desfrutar no imóvel. Observa-se que não existe direito real algum e a natureza jurídica resulta na dependência do multiproprietário à condução social da empresa e a seu estatuto. A relação acaba por se tornar complexa e sempre atrelada ao destino da empresa. b) Multipropriedade imobiliária A multipropriedade imobiliária, modelo no qual estamos tentando defender a utilização no Brasil, se baseia na possibilidade de outorga de direito real pleno ou limitado ao titular ou co-proprietário. Basicamente, destacamos duas espécies: a primeira consiste em outorgar um direito real limitado a título de habitação, usufruto ou a criação própria de um instituto que permita o compartilhamento da propriedade. A segunda, figura na possibilidade de outorgar direito real de propriedade, mas condicionando-se à utilização ou, ainda, prevendo a representatividade dos direitos como condomínio civil ou ordinário de fração de tempo. c) Multipropriedade hoteleira Gustavo Tepedino nos ensina que a modalidade conhecida como hoteleira não constitui por si só uma espécie de multipropriedade. A rigor, trata-se da conjugação do sistema multiproprietário, concebido ora mediante a modalidade imobiliária, ora através da fórmula societária, com os serviços de hotelaria desenvolvidos por empresa do ramo hoteleiro (op. cit., p. 19). d) Multipropriedade obrigacional Embora a doutrina acabe por não enunciar essa espécie de multipropriedade, parte da jurisprudência nacional mais conservadora acaba por classificar contratos de aproveitamento por tempo como mero direito obrigacional, alguns classificando o instituto como arrendamento: Time sharing. Sistema de multipropriedade imobiliária. Direito Real de Habitação Periódica que garante ao proprietário e consumidor espaço temporal de uso de cada multipropriedade. Contrato que não garante direito real, mas sim mero direito obrigacional ou pessoal de multipropriedade” (Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça. Recurso n. 2002.700.023695-8, 11/03/2003. Multipropriedade. Natureza jurídica de arrendamento” (São Paulo, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 149.666.4/0-00, 04/05/2004) Denominação O instituto vem sendo denominado de diversas formas, variando de acordo com a natureza jurídica da utilização do imóvel em frações de tempo. A expressão inglesa time sharing é uma das mais comuns e a tradução expressa o sentido de tempo compartilhado. A expressão multipropriedade imobiliária, também muito utilizada, expressa a existência de co-propriedades em determinado imóvel, e, para nós, é a que mais se assemelha às características do sistema imobiliário brasileiro. Na Espanha, o instituto foi denominado regime de aproveitamento por turno na própria exposição de motivos da Lei 42, de 15 de dezembro de 1988, existindo, inclusive, vedação expressa da utilização da expressão propriedade ou multipropriedade por problemas ocorridos em anos anteriores à criação do regime atual de direito real, principalmente decorrentes de infrações ao direito de consumidores. Multipropriedade no mundo A multipropriedade vem sofrendo diversos tratamentos, distintos em todo o mundo, com natureza jurídica de direito pessoal ou real, constituição de pessoa jurídica. Vejamos rapidamente no quadro abaixo:
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
10208
Idioma
pt_BR