Notícia n. 5486 - Boletim Eletrônico IRIB / Fevereiro de 2004 / Nº 1012 - 06/02/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1012
Date
2004Período
Fevereiro
Description
Desapropriação. Reforma agrária. Média propriedade rural. Registro. Eficácia. - Sérgio Jacomino, seleção e verbetação. Decisão. A presente impetração apóia-se, fundamentalmente, na suposta nulidade do procedimento expropriatório, motivada pelo fato de o imóvel rural em questão, segundo alegam os ora impetrantes, constituir média propriedade rural, o que o tornaria insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária. Sustentam, ainda, os ora impetrantes, que, ao realizar o laudo de vistoria, o Incra concluiu ser a área da Fazenda Santa Clara igual a 503,18ha, “bem maior do que a área registrada, mesmo utilizando-se de aparelhos modernos como o GPS topográfico, o que influenciou decididamente na classificação do imóvel vistoriado”. Cumpre ressaltar, neste ponto, que o registro imobiliário vale por aquilo que nele se contém, de tal modo que as mutações objetivas e/ou subjetivas concernentes ao imóvel, para que tenham eficácia jurídico-real, deverão ingressar, formalmente, no sistema registral. Sem que tal ocorra, o teor do registro público prevalecerá em função daquilo que dele resulta, pois – não custa relembrar – “quod non est in tabula, non est in mundo” (Código Civil de 2002, artigo 1.245, §§1o e 2o e artigo 1.247; Código Civil de 1916, artigo 859). Isso significa, portanto, que, enquanto não se desconstituir o registro imobiliário, ele permanecerá eficaz em face daquilo que estritamente nele se contém. É por essa razão que o artigo 252 da lei 6015, de 31/12/73, na redação dada pela lei 6.216/75, apoiando-se na presunção juris tantum de veracidade que emana do sistema registral imobiliário, dispõe que “O registro, enquanto não for cancelado, produz todos os seus efeitos legais, ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”. Assentada tais premissas, cabe reconhecer, para efeito desta impetração mandamental, que a área do imóvel rural a ser considerada é aquela que resulta do registro imobiliário (300,10ha, no caso), tanto que a declaração expropriatória, consubstanciada no decreto presidencial, reproduziu-a de modo rigorosamente fiel ao registro em questão. De outro lado, os ora impetrantes, ao buscarem demonstrar qual seria a área não-aproveitável relativa ao imóvel rural em questão – área esta que deve ser deduzida da dimensão total do prédio rústico, em ordem a viabilizar o cálculo de sua área útil, com conseqüente repercussão causal sobre a definição dos módulos fiscais a ela correspondentes (Estatuto da Terra, art. 50, §3o) – valeram-se de dado extra-registral constante de Relatório Técnico elaborado pelo Incra, consistente no reconhecimento, feito pelos próprios impetrantes em sua petição inicial, de que o índice de restrição aplicável à Fazenda Santa Clara (19%) resultaria, após a efetivação das deduções pertinentes – área de reserva legal indicada na escritura pública (42,08ha) e área de preservação permanente (48,0ha) – em uma área aproveitável de 153,0ha, equivalente, segundo sustentam os autores do presente writ, a 12,75 módulos fiscais. Ocorre, no entanto, que a Declaração para Cadastro de Imóvel Rural, constante dos presentes autos, informa que a área total não-aproveitável corresponde, segundo o Incra, a 22,9ha, o que, por si só – mesmo deduzindo-se o gravame consignado na escritura pública (42,08ha) e a área de preservação permanente indicada pelos impetrantes (48,0ha) – não afetaria a classificação fundiária do imóvel rural em questão como grande propriedade rural. Cumpre reconhecer, portanto, que a diversidade de cálculos registrada na espécie ora em exame, além de implicar resultados conflitantes, projeta-se com desigual repercussão sobre a quantificação dos módulos fiscais pertinentes à área rural em questão, conduzindo – tais sejam os critérios utilizados – a qualificações distintas do prédio rústico em causa: grande propriedade rural, para o Incra, e média propriedade rural para os ora impetrantes. A isso se acresce o fato de que os impetrantes, com o objetivo de demonstrar que a área em questão qualifica-se como média propriedade rural, valem-se de índices percentuais, que, destinados a definir a área predial aproveitável, líquida ou útil, parecem incidir nas restrições assinaladas pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, em voto que proferiu no julgamento plenário do MS 22.688/PB, a propósito do tema concernente à definição da área útil, a ser obtida pela dedução de áreas sujeitas a reservas de natureza legal, oportunidade em que esta Corte deixou assentado, no ponto, que as áreas sujeitas a gravame legal não podem, nem devem “referir-se a mera fração ideal”, devendo cada uma delas, apresentar-se como área “identificada ou identificável”: “Entendo que esse dispositivo não se refere a uma fração ideal do imóvel, mas às áreas identificadas ou identificáveis. Desde que sejam conhecidas, as áreas de efetiva preservação permanente e as protegidas pela legislação ambiental devem ser tidas como não aproveitadas. Assim, por exemplo, as matas ciliares, as nascentes, as margens de cursos de água, as áreas de encosta, os manguezais. A reserva legal não é uma abstração matemática. Há de ser entendida como parte determinada do imóvel. Sem que esteja determinada, não é possível saber se o proprietário vem cumprindo as obrigações positivas e negativas que a legislação ambiental lhe impõe.” A existência de tal controvérsia sobre matéria de fato revela-se bastante para descaracterizar, ao menos em sede de delibação, a liquidez necessária à configuração de situação amparável pela ação de mandado de segurança. O fato irrecusável, no caso em exame, é um só: há divergência efetiva e substancial entre os critérios adotados pelos impetrantes, de um lado, e pelo Incra, de outro. A simples existência de matéria de fato controvertida – a tornar questionável a própria caracterização do direito líquido e certo (noção que não se confunde com a de direito material, cuja tutela se busca obter em sede mandamental) – revela-se bastante para tornar inviável a utilização do writ constitucional (RTJ 83/130 – RTJ 99/68 – RTJ 99/1149 – RTJ 100/90 – RTJ 100/537). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse específico aspecto do tema, tem consignado que a discussão em torno do próprio significado de direito líquido e certo – que traduz requisito viabilizador da utilização do writ mandamental – veicula matéria de caráter eminentemente processual, mesmo porque a noção de liquidez, “que autoriza o ajuizamento do mandado de segurança, diz respeito aos fatos” (RTJ 134/681, Rel. p/ o acórdão Min. Carlos Velloso – RTJ 171/326-327, Rel. Min. Ilmar Galvão – RE 195.192/RS, Rel. Min. Marco Aurélio – RMS 23.443/DF, Rel. Min. Celso de Mello – RMS 23.720/GO, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.): “O ‘direito líquido e certo’, pressuposto constitucional de admissibilidade do mandado de segurança, é requisito de ordem processual, atinente à existência de prova inequívoca dos fatos em que se basear a pretensão do impetrante e não à procedência desta, matéria de mérito (...).” (RTJ 133/1314, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) Registre-se que esta Corte, em sucessivas decisões, deixou assinalado que o direito líquido e certo, apto a autorizar o ajuizamento da ação de mandado de segurança, é tão-somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis de plano, mediante prova literal inequívoca (RE 269.464/DF, Rel. Min. Celso de Mello): “...direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco.” (RTJ 83/130, Rel. Min. Soares Munõz) “O mandado de segurança labora em torno de fatos certos e como tais se entendem aqueles cuja existência resulta de prova documental inequívoca...” (RTJ 83.855, Rel. Min. Soares Munõz) Cabe enfatizar, finalmente, que o deferimento da medida liminar, que resulta do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no artigo 7o , II, da Lei no 1.533/51: a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni iuris), de um lado, em concurso com a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro. Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos -, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante adverte a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no artigo 7o, II da Lei no 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança. Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.” (RTJ 112/140, Rel. Min. Alfredo Buzaid). Desse modo, tenho para mim, em juízo de estrita delibação, que as informações prestadas pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, parecem descaracterizar a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental deduzida pelos ora impetrantes. Sendo assim, e sem prejuízo de ulterior exame da controvérsia jurídica suscitada nesta sede mandamental, indefiro o pedido de medida liminar. 2.A autoridade ora apontada como coatora já prestou as informações que lhe foram requisitadas. Brasília, 14/4/2003. Relator: Ministro Celso de Mello (Medida Cautelar em Mandado de Segurança no 24.398-8/DF, DJU 25/4/2003, p.68/69).
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Article Number
5486
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