Notícia n. 8334 - Boletim Eletrônico IRIB / Novembro de 2005 / Nº 2175 - 24/11/2005
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
2175
Date
2005Período
Novembro
Description
O ESTADO DE SÃO PAULO – 20/11/2005 Puxadinho sobe e aumenta renda Apertadas, favelas de SP se verticalizam; além de ganhar mais espaço, famílias faturam alugando o térreo para comércio Adriana Carranca, Luciana Garbin - O espaço é pouco, os filhos, muitos, e o barraco vai subindo. O famoso puxadinho – agora verticalizado - pode abrigar a família que cresce, ser vendido ou alugado ou dar lugar ao comércio. Geralmente bares, mercados ou oficinas – de costura, por exemplo. Sem planta nem projeto, fruto apenas da prática de pedreiro – em muitos casos, o próprio dono. E com ritmo ditado pela disponibilidade – do dinheiro para ferro, areia, cimento e de tempo para encher lajes e colunas nas horas de folga. Com o crescimento da população de favelas, as construções foram ampliadas até o limite do terreno”, diz a socióloga Maria Ruth Amaral de Sampaio, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Como o espaço acabou, as casas estão crescendo para cima.” A verticalização e a divisão em vários cômodos formam verdadeiros labirintos porta adentro. Que abrigam também soluções criativas de geração de renda, como a da estudante Vera Lúcia de Araújo, que fez de sua casa o primeiro shopping numa favela paulistana – o Mini Shopping Heliópolis, com 11 lojinhas alugadas a R$ 200,00 cada uma. Ou a da auxiliar de limpeza Simone Pereira, de Paraisópolis, também na zona sul, que alugou o térreo, ergueu dois andares para morar e termina a cobertura com churrasqueira e vista para mansões do Morumbi, para alugar como salão de festas. “A casa não é só moradia, mas fonte de renda para as pessoas”, diz a professora. Parecem caixas de fósforo. Sem espaço, quem tem um dinheirinho vai construindo em cima”, confirma a líder comunitária Cheila Maria Subenko Olalla, da Pastoral da Moradia. São de perto verdadeiros predinhos, como o do metalúrgico Benelúcio de Mesquita, de 35 anos. “Cada vez que ficava desempregado, usava o fundo de garantia para construir um andar novo. Assim, fiz minha vida”, conta Benê, como é conhecido, dono de quatro pavimentos de 24 metros quadrados em Heliópolis, com sala, quarto, banheiro e cozinha. Duas caixas d’água no telhado abastecem o miniedifício, que tem até lavanderia comum no térreo, com tanque e máquina de lavar. Benê mora no terceiro andar do predinho e aluga os outros por R$ 250,00 cada um. Com a ajuda do irmão está construindo mais uma cobertura, para onde pretende se mudar. Também convenceu os vizinhos do beco, antes estreito, a cederem um metro dos barracos para dar lugar a uma vila, hoje fechada com portão de ferro e acesso exclusivo aos 15 moradores. Com 125 mil habitantes, 40 mil casas e 2.500 pontos comerciais, Heliópolis chegou ao limite da área de 1 milhão de metros quadrados. Só cresce agora para cima. Tanta construção informal, feita sem ajuda de arquitetos e engenheiros, costuma causar desperdício de materiais e pode ser um perigo. “Os moradores geralmente se preocupam com a segurança, mas a parte elétrica fica comprometida. Puxam o chamado ‘gato’ para ter luz e sobrecarregam o sistema”, afirma Maria Ruth. Segundo o Corpo de Bombeiros, até o mês passado houve 44 incêndios em favelas da capital, 25% causados por instalações elétricas inadequadas. “O socorro é complicado na favela por conta das vielas estreitas e casas grudadas. Com a verticalização fica mais difícil”, alerta o tenente Marcos Palumbo. “Além de ser mais arriscado retirar as pessoas dos labirintos que elas constroem”. Onde a arquitetura é o improviso Em Paraisópolis, a favela com o m2mais caro da cidade, construções com comércio no térreo chegam a ter cinco andares. De cima até embaixo são quase 10 metros. Divididos em quatro andares, erguidos aos poucos. Tudo sobre um terreno de apenas 5 por 3,5 metros, no Jardim São Roberto, zona leste. Começou há uma década quando a família do pedreiro Orlando Bernardo Alves, de 53 anos, teve de desocupar o sobrado onde vivia de favor. Para fugir do aluguel, ele trocou uma Caravan pelo terreno e mais R$ 450,00. E fez ali o primeiro cômodo, já com fundações reforçadas. Conforme sobrava um dinheirinho, subia as paredes. Hoje, numa espécie de porão, estão cozinha, lavanderia e banheiro. No nível da rua, ficam a sala e um altar para Nossa Senhora Aparecida e das Mercês e São João Batista. No terceiro andar, dois quartos e outro banheiro. Para alcançar um dos quartos é preciso passar por uma tábua. O acesso ao terceiro dormitório, chamado pela família – sem nenhum glamour – de galinheiro, é feito por uma escada de pintor encostada na parede. Em tudo falta acabamento. Paciente, Orlando diz que o próximo passo é conseguir 10 metros de piso para a escada e 18 para o banheiro. ”Quero ver se neste ano também dou uma pintada nela, se Deus quiser.” Históricas semelhantes se repetem por toda a cidade. Em Paraisópolis, no Morumbi, a favela de metro quadrado mais caro de São Paulo – cerca de R$ 600,00 -, já há casas com cinco pavimentos. Como a da empresária Maria Gomes da Costa, de 52 anos. Há 22, quando veio de Pernambuco, ela se espremia com o marido e quatro filhos num só cômodo de madeira, pois tinha um bar no outro cômodo. Anos economizando os lucros do pequeno comércio, o salário de costureira e ganhos do marido como relojoeiro permitiram ao casal comprar um galpão de alvenaria do outro lado da calçada. Casa nova Além de montar ali um mini mercado, a família improvisou um lar no subsolo até conseguir construir outros três andares. Obra concluída, cada filho ganhou um quarto e o subsolo virou flat, com quarto, cozinha e banheiro para a filha mais velha. No último andar, um banheiro de 7 metros quadrados divide espaço com um quarto de três camas e um grande terraço que ocupa sozinho 21 m2e fica tão próximo dos fios elétricos da rua que seria possível tocá-los. Ficam ali também a esteira ergométrica e dois papagaios de estimação da família. No penúltimo andar, onde estão sala e quartos, há uma pia e uma geladeira. “para não precisar descer toda hora, se der vontade de beber ou comer alguma coisa”, explica Maria. A família, que hoje é dona de três mini mercados em Paraisópolis, com sete funcionários, já pensa em construir apartamentos para alugar em cima dos novos mercadinhos. “As duas construções estão prontas para subir”. “O negócio é deixar pronto para morar. Depois a gente arruma”, diz a auxiliar de limpeza Simone Pereira, de 28 anos, vizinha de Maria, que transformou um barraco de madeira num casarão de quadro andares. Estreita, a escada que leva à casa suporta apenas uma pessoa e tem degraus de 30 centímetros. No primeiro andar, uma cozinha espaçosa – com geladeira, forno elétrico, microondas, televisão e fogão de seis bocas – leva à lavanderia com um janelão para o Morumbi, banheiro e sala com terraço. Quase tudo com piso novo contrastando com as paredes de cimento. O segundo andar ainda está em reforma: fica ali a suíte do casal e o quarto das três filhas, de 1, 5 e 8 anos. A cobertura, com vista para as mansões e o verde do Morumbi, será alugada como salão de festas. A exemplo do térreo, de 35 m2, já cedido a um pet shop por R$ 350,00 mensais. “Foi um pedreiro amigo que fez. Mas eu e meu marido demos a idéia. E já veio muita gente pedir para alugar”, diz Simone, orgulhosa. Segurança Meu pai já falava: o importante é o alicerce. Sem isso até vento leva. Aqui foram 200 metros de ferro e 100 sacos de cimento”, diz o vigia Francisco Cassiano Soares, de 60 anos, que em seis meses ergueu três casas sobrepostas, com cozinha, sala, dois quartos, banheiro e quintal nos Altos da Vila Prudente, zona leste. Uma para ele, outra para a filha, o genro e dois netos, outra para o filho do genro, mulher e filho. Em outubro, a chuva e uma terraplanagem malfeita por uma construtora fizeram o morro desbarrancar em cima das casas de sua comunidade. Duas caíram. A dele resistiu. “Perdi uns móveis, mas a estrutura não se abalou”. Isso demonstra, para a socióloga Maria Ruth Amaral de Sampaio, que a verticalização é possível “desde que feita de forma correta”. Ela sugere que a Prefeitura apóie estágios de estudantes de engenharia e arquitetura nas comunidades. “Moradores contariam com um profissional para construir com segurança e alunos ganhariam experiência“. Procurada pelo Estado na sexta, a Secretaria Municipal de Habitação não atendeu aos pedidos de entrevista. (O Estado de São Paulo/SP, seção Metrópole, 20/11/2005, p.C1 e C3).
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