Notícia n. 8271 - Boletim Eletrônico IRIB / Novembro de 2005 / Nº 2160 - 18/11/2005
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
2160
Date
2005Período
Novembro
Description
Curso de Extensão sobre Registros Públicos e Alguns Aspectos de Protesto de Títulos Incorporação imobiliária e atividade incorporativa (algumas noções) Marcelo Terra * - 1. o campo normativo Em 1964, editou-se a lei 4.591 que, desde então, rege o instituto do condomínio em edificações, em nosso direito positivo. O Novo Código Civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, disciplina, em seus artigos 1.331 a 1.358, o condomínio edilício”, sendo que seu art. 1.331 regra poder ... haver, em edificações, partes que são propriedades exclusivas, e partes que são propriedade comum dos condôminos”. A lei 4.591/64 disciplina o condomínio edilício em duas fases: a de implantação e construção (a incorporação imobiliária) e a de utilização e administração (o condomínio propriamente dito). O Novo Código Civil rege, por sua vez, o condomínio edilício somente na fase de sua utilização, razão pela qual ficam derrogados os dispositivos (arts. 1.º a 27) da lei 4.591/64 a respeito da utilização e administração do condomínio, mas permanecendo vigentes aquelas pertinentes à incorporação imobiliária. A última e fundamental alteração da lei de 1964 se deu em 4 de setembro de 2001 com a medida provisória 2.221, instituidora do chamado patrimônio de afetação”, de instituição facultativa e não obrigatória, e objeto de sensíveis alterações pela lei 10.931, de 2 de agosto de 2004. 2. as condições de desenvolvimento do empreendimento A construção de empreendimento tem dois requisitos básicos: um jurídico e outro financeiro. a) - o jurídico consiste na obtenção de licença administrativa expedida pelos poderes públicos competentes. b) - o econômico/financeiro se traduz na existência de recursos financeiros para tal finalidade. Patente, assim, não ser o registro do memorial de incorporação condição para início de obra. Mas, o prévio registro do memorial de incorporação somente se converte em condição necessária ao empreendimento se o incorporador desejar alienar a terceiros futura unidade autônoma de prédio em construção ou a se construir. 3. O incorporador e a função incorporativa Considera-se, segundo o parágrafo único do art. 28, da lei n.º 4.591/64, incorporação ... imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”. O promotor da incorporação denomina-se incorporador, pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora (art. 29) ... não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, (VETADO) em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas”. O incorporador é uma empresa que se caracteriza por sua atividade. Qual é essa atividade? A resposta é dada por Caio Mário da Silva Pereira [1], que a extrai do próprio texto legal: Toda pessoa física ou jurídica, independentemente de sua anterior profissão, torna-seincorporadorpelo fato de exercer, em caráter permanente ou eventual, uma certa atividade, que consiste em promover a construção de edificação dividida em unidades autônomas”. A chave que abre a porta da resposta se encontra na locução promover a incorporação”. Vale dizer, o incorporador, como figura central do empreendimento, chama para si as responsabilidades do sucesso e/ou do fracasso do negócio por ele imaginado. O incorporador é um sonhador. Ao visitar um terreno ele não vê somente um pedaço de chão; ele antevê um futuro empreendimento. Cabe-lhe a função de sonhar, de planejar, de projetar, de obter as necessárias licenças administrativas, de negociar a aquisição do terreno – sua mais importante matéria prima – de construir, de alienar as futuras unidades autônomas, de iniciar e concluir a regularização jurídica do empreendimento. Em síntese, o incorporador tem, de um modo geral, o dever de proceder a todas as formalidades de caráter jurídico, administrativo e fiscal que requer a construção do imóvel [2]. Enfim, é o incorporador o amálgama que une todos os demais agentes e participantes. Sua atividade se liga, direta e indissoluvelmente, à junção de uma coisa presente (o terreno) a uma coisa futura (a unidade autônoma). A transposição do presente ao futuro passa necessariamente pela construção do prédio, obra que será promovida pelo incorporador. A promoção da construção pode se dar de dois diferentes modos: a) - ou o incorporador é também o construtor. b) - ou o incorporador contrata uma terceira pessoa para cumprir o encargo de construção. Orlando Gomes [3] bem percebeu tal dualidade ao anotar que a obrigação de construir o edifício não deve ser tomada ao pé da letra, no sentido de que o ... incorporador não há de ser necessariamente construtor civil, mas, sim, no de que lhe incumbe promover a construção, por empreitada ou por administração, se não constrói diretamente o edifício ... omissis ... A obrigação que tem é de promover a construção, não de construir ...”. Conveniente, nesse passo, se lembrar que o empresário imobiliário pode alienar as unidades autônomas em três momentos distintos: antes de iniciadas as obras, durante sua construção ou, finalmente, após sua conclusão. Quando se tratar de negociação de unidade autônoma já edificada sem sombra de dúvida que sua natureza é a de compra e venda de imóvel, regida pelo Código Civil. Porém, nas duas outras hipóteses (antes ou durante a obra), o relacionamento contratual do incorporador com o adquirente pode se dar sob três diferentes modalidades, segundo exposição de J. Nascimento Franco e Nisske Gondo [4], a saber: a) - construção por conta e risco do incorporador, caso em que ele promete vender as unidades autônomas a prazo e preço certos, ou reajustáveis na forma do contrato. b) - construção por empreitada. c) - construção por administração. A modalidade a prazo e preço certos” encontra seu sustentáculo legal no art. 41, combinado com o art. 43, da Lei de Incorporações. Naquele primeiro dispositivo se menciona Quando as unidades imobiliárias forem contratadas pelo incorporador por preço global compreendendo cota de terreno e construção”. No outro, Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preço certos, determinados ou determináveis”. No mercado imobiliário tal modalidade se conhece como preço fechado”. Aqui, o incorporador promove a construção, obrigando-se a entregar ao comprador a unidade autônoma futura. Seu relacionamento contratual com o comprador tem a natureza jurídica de contrato de compra e venda; é certo que de coisa futura, mas sempre compra e venda, jamais empreitada (global, fixa ou reajustável, ou por administração). Há unanimidade doutrinária a respeito. Os já citados J. Nascimento Franco e Nisske Gondo ensinam [5] que, na construção por conta e risco do incorporador, ele é promitente vendedor da unidade autônoma. Trata-se, pois, de venda ... de coisa futura, que, no caso de edifício em condomínio, se disciplina pelo direito comum referente à promessa de venda ...”. Ainda mais incisiva a lição doutrinária do francês Michel Dagot [6] ao afirmar que a venda de imóvel a construir se caracteriza como ... une vente, qui pourrait em douter en raison du rôle prééminent du terrain en matiére inmobilière. La vente d’inmeuble à construire est une vente, personne ne peut le nier”. Vale a pena a repetição, agora em vernáculo: A venda de imóvel a construir é uma venda, pessoa alguma poderá negar”. São Paulo, 16 de novembro de 2005. Notas * Marcelo Terra é advogado especializado em direito imobiliário e membro do Conselho Editorial do Irib. [1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações, pág. 248, 10a. Rio de Janeiro: Forense, 2001. [2] referida síntese é tirada das lições dos franceses Phillippe Malinvaud e Phillippe Jestaz, em sua obra Droit de la promotion inmobilière, pág. 3. Paris: Dalloz, 1976. [3] GOMES, Orlando. Contrato de incorporação imobiliária, artigo publicado na RT 461/12. [4] FRANCO, João Nascimento e GONDO, Nisske. Incorporações imobiliárias, pág. 86, 2a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. [5] FRANCO, João Nascimento e GONDO, Nisseke. Incorporações..., pág. 86. [6] DAGOT, Michel. La vente d’inmeuble à construire, pág. 359. Paris: Litec, 1982.
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