Notícia n. 5033 - Boletim Eletrônico IRIB / Setembro de 2003 / Nº 847 - 25/09/2003
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
847
Date
2003Período
Setembro
Description
Validade jurídica de documentos eletrônicos assinados com infra-estruturas diferentes da ICP-Brasil - Aires José Rover* e Luiz Adolfo Olsen da Veiga** - A Medida Provisória 2.200, de 28 de junho de 2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e que permite garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica (art. 1º), tem alguma virtude ou só tem dado dor de cabeça aos juristas e profissionais da área de informática? Entendemos que há uma grande virtude ao ater-se de maneira objetiva ao seu alvo principal, a infra-estrutura de chaves públicas, ICP-Brasil. Questões como a privacidade das informações fornecidas durante a contratação eletrônica, questões de direito do consumidor, de responsabilidade civil ou penal dos provedores de acesso, deverão ser, evidentemente, objetos para outras normas. Portanto, não se trata de declarar, aqui, o fim dos "cookies'' nem a proibição aos provedores de acesso de cederem a terceiros qualquer informação relativa aos seus clientes. Em outras palavras, a MP dá o passo inicial para que uma infra-estrutura tecnológica, baseada na emissão de certificado e assinatura digitais, seja criada a partir de regras e órgãos por ela definidos. Contudo, mesmo diante da última versão da MP (Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001), ainda restam questões mal definidas. A crítica, quanto ao monopólio, foi resolvida com a nova versão que não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento (MP 2200-2, art. 10, § 2º). Na primeira edição da MP, este liberalismo não existia, obrigando o uso de chaves certificadas pela ICP-Brasil para que o documento eletrônico pudesse ser aceito como documento público ou particular. O monopólio da identificação digital é extremamente danoso à sociedade e ao estado de direito. Colocaria, nas mãos de uma só pessoa ou órgão, um poder muito grande sobre todas as atividades da vida social e jurídica em que se requeresse uma identificação. O universo a ser identificado também é grande demais e impossível de ser coberto, eficientemente, por um único órgão certificador. Assim, é válido que existam opções, seja na iniciativa privada, seja em órgãos públicos. O fato é que a tecnologia de infra-estrutura de chaves públicas certifica chaves para todos os fins, o que interessa de forma generalizada a toda a sociedade. Portanto, não seria razoável que a ICP-Brasil, de forma monopolista, fosse a única autorizada a realizar esta tarefa. E isto foi reconhecido pela última versão da MP, adotando o modelo das legislações consideradas mais modernas. Nosso direito estabelece liberdade de forma aos atos jurídicos (CC, arts. 104, 107, 185) e amplos meios de prova (CC, arts. 212, 225) e essas normas não podem ser derrogadas pela legislação que trate de documentos digitais. Os documentos digitais são mais uma maneira de registro de algum fato. Diferem do tradicional papel por serem um conjunto de bits traduzidos por determinado programa de computador que, por sua vez, faz de interface entre a máquina e os seus usuários. Os problemas relativos à integridade e autenticidade dos documentos existem nos dois casos. Evidentemente, as características de virtualidade digital e de mediação pelos computadores dos documentos eletrônicos, trazem novos ingredientes que podem dificultar a garantia daqueles elementos. Mas, tecnologicamente, essas dificuldades vieram a ser contornadas por meio das chamadas assinaturas digitais. A MP 2200-2 é um passo nesta direção e institui uma infra-estrutura que fica disponível à sociedade. Há o reconhecimento de que os documentos eletrônicos podem servir como meio de prova, independentemente da certificação ser feita pela ICP-Brasil ou por outra infra-estrutura que utilize criptografia assimétrica que permite produzir as chamadas assinaturas digitais. Assim, a certificação com as assinaturas digitais, além de não se tornar obrigatória através da ICP-Brasil, passa a ser reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Esse reconhecimento, porém, em nada modifica os princípios e limites gerais que regem a legislação nacional. Em relação à liberdade de atuação civil e comercial, as partes reconhecem a validade dos documentos certificados através de acordo ou contrato, expresso ou tácito. Da mesma forma, esse reconhecimento ocorre em relação a terceiros (MP 2200-2, art. 10, § 2º). Se o documento é válido entre as partes, por que não o seria perante terceiros? A exceção, nos dois casos, ocorre quando houver uma circunstância prevista em lei, como ilegitimidade da parte, fraude, etc. (CC, arts. 166, 219). Dadas essas limitações que poderão ser discutidas judicialmente, ninguém, interessado ou terceiro, pode negar a validade jurídica de um documento assinado eletronicamente. Além deste reconhecimento e liberdade de ação, a MP 2200-2, em seu artigo 11, permite abertamente o uso de documentos eletrônicos em âmbito tributarista, atendendo-se ao disposto no art. 100 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, que dispõe sobre as normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos. Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por atos normativos expedidos pelas respectivas autoridades administrativas e também por convênios celebrados entre si, podem dispor sobre a adoção de documentos eletrônicos para fins tributários. Em termos de conclusão, podemos afirmar que a função da ICP-Brasil é relativa, não restringindo o uso dos documentos eletrônicos nem impedindo que possam servir como prova, nem monopolizando o serviço de certificação. O credenciamento na ICP-Brasil é opcional. As conseqüências de um monopólio baseado na ICP-Brasil são facilmente identificadas, como a burocratização do comércio eletrônico, o aumento dos custos da certificação, a intervenção do Estado na atividade econômica privada. Porque não dizer, conseqüências consideradas inconstitucionais. A MP 2200-2 instituiu a infra-estrutura de chaves públicas brasileira e diz respeito a documentos e autoridades certificadoras que foram submetidos à ICP-Brasil. Mas deixa antever o grau de liberdade, como ocorre no mundo inteiro, nas práticas de certificação, consoante o parágrafo 2º do art. 10, já citado acima. Nesse contexto, as certificadoras devidamente constituídas e demonstrando as condições técnicas de agir, têm legitimidade para desenvolverem sua atividade. Essa atividade se estende tanto para os agentes privados como para os órgãos públicos, pois inexiste proibição nesse sentido na legislação. Evidentemente, o que não está proibido pela legislação, é permitido. No caso da MP 2200-2 esta permissão ocorre de modo expresso (art. 10, § 2º). De outra forma, essa permissão é sustentada pelas normas do direito civil que determinam a liberdade de contratação e de forma dos atos e negócios jurídicos. Assim, órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, pertencentes a quaisquer dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, podem usar certificação diferente da ICP-Brasil para assinar documentos eletrônicos. Podem, também, aceitá-los de terceiros, sem ter afetado a sua validade jurídica. (Revista Consultor Jurídico, 25/9/2003). *Aires José Rover é PHD em Direito e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). **Luiz Adolfo Olsen da Veiga mestre em Direito e professor da UFSC
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
5033
Idioma
pt_BR