Notícia n. 7015 - Boletim Eletrônico IRIB / Janeiro de 2005 / Nº 1494 - 17/01/2005
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1494
Date
2005Período
Janeiro
Description
SFI. Compromisso de CV. Hipoteca. Incorporadora. Gravame não oponível a terceiro adquirente. - Sérgio Jacomino, seleção e verbetação. Decisão. Banco Itaú S.A. interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão da Terceira Turma Julgadora da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado: “Apelação. Falência. Sistema Financeiro Imobiliário. Adquirentes promitentes de unidades residenciais dadas em hipoteca mesmo sendo público que a incorporadora passava por enormes dificuldades financeiras. Ofensa aos princípios da boa-fé consagrados do CDC. Não prevalece diante do terceiro adquirente de boa-fé a hipoteca constituída pela incorporadora junto a instituição financeira porque a estrutura não só do Código de Defesa do Consumidor, como também, do próprio sistema habitacional, foi consolidada para respeitar o direito do consumidor. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro e, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Apelo improvido". Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Sustenta o recorrente, em preliminar, o cerceamento do seu direito de defesa, tendo em vista que lhe foi negado o pedido de perícia e de depoimento pessoal para apurar o real valor pago pelos imóveis e verificar, essa forma, se houve fraude na transação dos bens. Além disso, sustenta a contrariedade ao artigo 535, inciso lI, do Código de Processo Civil, haja vista que não foram sanadas as omissões contidas no acórdão recorrido, mesmo com a oposição dos embargos de declaração. No mérito, argúi ofensa aos artigos 677, 755, 811, 848, 849, 850 do Código Civil de 1916; 20 do Decreto 58/37; 23, lei 4.864/65 e 5 o , incisos XX e XXXVI, da Constituição Federal, aduzindo que "o domínio da propriedade imóvel só se transfere após o registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que o direito pessoal não pode sobrepujar o direito real defluente de hipoteca regularmente registrada". Alega que recebeu em hipoteca todo o empreendimento, mediante cláusulas e condições ajustadas, restando este direito, de natureza real, transcrito no ofício imobiliário, não constando da matrícula do bem a existência de qualquer ônus real anterior à garantia prestada, operando o registro erga omnes , sendo, portanto, a hipoteca anterior à compra. Assim, “a Encol não cumpriu, ainda, sua obrigação, pois ainda continua devedora do recorrente. Desta forma, a hipoteca deverá subsistir até a liquidação total das obrigações contratualmente assumidas”. Afirma que “o registro do imóvel na repartição própria constitui elemento publicitário imprescindível, haja vista que somente com sua observância, além de o domínio passar do alienante ao adquirente, se enseja a qualquer, em qualquer ocasião, saber o elo da cadeia dominial, com segurança no tráfego do mundo dos negócios ao preceito constitucional que assegura o direito de propriedade". Alega que há um direito real, devidamente inscrito, o qual onera um bem já liberado, independentemente do cumprimento da obrigação, restando superado por um direito pessoal posterior à hipoteca e não registrado. Destaca, por fim, que não existem provas de reclamações anteriores, dentro do prazo de prescrição, e que "a hipoteca sendo indivisível, só poderá se desfalcar com a anuência do credor hipotecário". Aponta dissídio jurisprudencial, trazendo à colação julgados, também, desta Corte. Contra-arrazoado, o recurso especial foi admitido. Houve recurso extraordinário, não admitido, decisão contra a qual foi interposto agravo de instrumento. Opina o Dr. Henrique Fagundes, Subprocurador-geral da República, pelo não conhecimento do recurso especial. Decido. A recorrida ajuizou ação ordinária contra a instituição financeira e a massa falida da Encol S.A., Engenharia, Comércio e Indústria alegando que comprou imóvel residencial e "após ter concluído o pactuado nos contratos de compromisso de compra e venda à empresa Encol S.A., a qual por força de disposição expressa do contrato poderia receber esses pagamentos, vê-se agora, impossibilitada de exercer plenamente os direitos decorrentes da aquisição do domínio deste imóvel, ante o gravame hipotecário que pesa sobre o mesmo”. Invoca, ainda, as leis que regem o Sistema Financeiro de Habitação e o princípio da boa-fé, e afirma que a instituição financeira "agiu com negligência na fiscalização da devedora, deixando que ela comercializasse as unidades e livremente recebesse o produto desta venda, sabendo que o seu crédito seria liquidado com o dinheiro apurado na venda dos imóveis em construção e que, por força contratual, deveria estar atento com o que estava acontecendo na comercialização destes". Finalmente, traz precedente desta Corte. A sentença julgou procedente o pedido, "reconhecendo que a parte autora nada deve ao banco requerido pela aquisição da unidade imobiliária descrita nos autos, julgando insubsistente e desconstituindo a hipoteca descrita na inicial e que onera a unidade imobiliária adquirida pela parte requerente, instituída pela falida construtora Encol S.A. Engenharia, Comércio e Indústria em favor do Banco Itaú S.A., devendo ser expedida carta precatória para que seja dado baixa no gravame hipotecário atacado". Destacou o juiz que a instituição financeira deveria "verificar quais as unidades que estavam disponíveis para servirem como garantia do empréstimo e exigir que o pagamento das prestações lhe fossem feitas diretamente pelos mutuários, o que não foi feito pelo credor hipotecário requerido, sendo de uma fragilidade sem tamanho seu argumento de que o contrato de compra e venda não foi registrado anteriormente à instituição da gravame". Assinalou, também o magistrado que "no contrato firmado pelos réus, o banco requerido deu poderes para que a Encol S.A. recebesse o pagamento das unidades que fossem sendo alienadas, vez que a devedora Encol deu ao banco requerido, em cessão fiduciária, a totalidade de seus direitos decorrentes da alienação do empreendimento ou de cada uma de suas unidades, conforme cláusula vigésima do contrato firmado pelos réus e lei 4.864/65, artigo 23”. Relevou, ainda, "como noticiado na inicial e comprovado na documentação anexada, no caso em debate, o registro da hipoteca ocorreu quando já estava registrada a incorporação do empreendimento onde estão localizadas adquiridas e quitadas pela parte autora". Para o Magistrado, “se a tempo da instituição da hipoteca o empreendimento já estava em construção e a então construtora Encol S.A. desempenhava atividade de incorporação imobiliária e já havia alienado as unidades descritas na inicial aos autores, não tem nenhuma razão o credor hipotecário requerido tentar prevalecer o gravame hipotecário contra a parte promissária compradora". O Tribunal de Justiça de Goiás desproveu a apelação. Primeiro, quanto à fundamentação, entendeu que a sentença está bem clara pondo em julgamento a ineficácia da hipoteca em relação ao direito dos autores; segundo, ainda em preliminar, considerou parte legítima a instituição financeira diante do vínculo entre os contratantes, autores e construtora e depois entre a construtora e o agente financeiro. Quanto ao mérito manteve o julgado considerando precedente desta Corte, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, no sentido de que o “fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, lançando milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que de lado mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel – que possivelmente existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro – uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro". Os embargos de declaração foram rejeitados. Inicialmente, com referência ao cerceamento de defesa do recorrente, falta o devido prequestionamento, sendo certo que os acórdãos proferidos na apelação e nos respectivos embargos de declaração não cuidaram desse ponto, o qual, também, não foi objeto dos embargos declaratórios opostos pelo ora recorrente. Por outro lado, violação do artigo 535 do Código de Processo Civil não existe. O Tribunal de origem, exaustivamente, tratou de afastar a defesa da instituição financeira, confirmando os precedentes desta Corte sobre os efeitos da hipoteca em casos assemelhados, ou seja, de compra de imóvel residencial pelo Sistema Financeiro de Habitação. Não há, portanto, nenhuma omissão a ser suprida. Sobre o mérito, esta Corte já assentou seu entendimento na mesma direção do acórdão recorrido, no sentido de que a hipoteca instituída pela construtora em favor da financeira, sobre o imóvel adquirido dentro do Sistema Financeiro de Habitação, não subsiste em relação a terceiros compradores, como se pode verificar do EREsp 415.667/SP, Segunda Seção, relator o ministro Castro Filho, DJ de 21/6/04, assim ementado: "Embargos de divergência. Promessa de compra e venda de imóveis. Recursos do Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca instituída pela construtora junto ao agente financeiro. Divergência superada. Arestos paradigmas. Bases fáticas diversas. Pacificou-se na Segunda Seção não prevalecer, em relação aos compradores, a hipoteca instituída pela construtora ou incorporadora de imóvel junto ao agente financeiro, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação. Destarte, o adquirente da unidade habitacional responde, tão-somente, pelo pagamento do seu débito. Embargos de divergência rejeitados." Do voto condutor extraio a seguinte fundamentação: “(...) Assim, nas hipóteses em que a hipoteca é instituída pelo vendedor do imóvel (normalmente a construtora e/ou incorporadora) em favor da instituição financeira, como forma de financiamento do próprio empreendimento imobiliário, havendo repasse de recursos do Sistema Financeiro da Habitação, prevalece o direito de propriedade do imóvel por parte do comprador que, perante a instituição financeira, só responde até o valor do seu débito. A venda direta das unidades aos adquirentes e o contrato de financiamento entre a construtora e o banco são, aparentemente, duas relações jurídicas distintas, porque a mesma construtora que vendeu e recebeu o preço (ou está recebendo as prestações) dá o empreendimento ou suas unidades autônomas em hipoteca ao banco. Este, por sua vez, sabe que os imóveis são destinados à venda, mas a operação de empréstimo ocorre como se os adquirentes não existissem e não raro, repassam os recursos do Sistema Financeiro da Habitação sem verificar a viabilidade econômica do empreendimento ou a solvência das empresas incorporadoras. Por ocasião do julgamento do Resp. 498.862/GO, a Terceira Turma, por unanimidade, acompanhou o voto condutor do eminente ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relator, no sentido de que: ‘De fato, deve a responsabilidade dos adquirentes ficar restrita ao pagamento do seu débito, admitida a penhora da unidade adquirida apenas na hipótese de execução por inadimplemento das suas próprias obrigações.’ (DJ de 1/3/2004).” Destarte, nos termos do artigo 557, caput , do Código de Processo Civil, eu nego seguimento ao especial. Brasília, 13/9/2004. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relator (Recurso Especial 557.101/GO, DJU 23/9/2004, p.265).
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
7015
Idioma
pt_BR