Notícia n. 6916 - Boletim Eletrônico IRIB / Dezembro de 2004 / Nº 1465 - 10/12/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1465
Date
2004Período
Dezembro
Description
O ESTADO DE SÃO PAULO – 27/11/2004 Alphaville entra na fila da burocracia - Laudêmio, taxa paga à União, leva moradores de condomínio de luxo a esperar 4 anos para obter documento de propriedade Urbanismo Bárbara Souza Moradores e empresários de AIphaville, o luxuoso condomínio residencial de Barueri, na Grande São Paulo, também enfrentam filas em órgãos públicos e espera de até 4 anos pela liberação de um documento para a venda de imóveis. Em Alphaville e Tamboré, em Barueri e parte de Santana de Parnaíba, imóveis residenciais e comerciais são submetidos à cobrança de duas taxas pela União: foro e laudêmio. O pagamento é feito por donos de áreas em terras do governo federal à Secretaria de Patrimônio da União (SPU). A Baixada Santista e outros trechos do litoral brasileiro, por exemplo, pagam os dois tributos. Na teoria, a SPU deveria liberar um documento para a comercialização de imóveis em alguns trechos do condomínio em 60 dias. Pela demora de 4 anos, cartórios da região estimam existir 20 mil escrituras à espera da autorização para a venda. O foro é uma taxa baixa, cobrada anualmente. O laudêmio é a razão da preocupação de quem vende ou compra terrenos, casas, escritórios – e até apartamentos – em áreas onde o pagamento é obrigatório. Na verdade, apenas 17% da área – ou do solo, como define a SPU – pertence à União. O restante – 83% – é do dono do imóvel. É sobre esses 17% que se deve pagar o foro e o laudêmio, uma espécie de "aluguel permanente" da área. Receita patrimonial referente a 5% do valor total do imóvel (terreno mais benfeitorias), cobrada de donos de propriedades em área pertencente ao governo federal, o laudêmio precisa ser pago e liberado antes da transação de compra e venda. Sem a certidão de pagamento, nenhuma escritura é transferida para o novo proprietário. O economista José Tolentino de Sá tem uma casa à venda por R$ 1,2 milhão – o laudêmio, seria de R$ 60 mil. “O problema atual não é pagar, é conseguir a certidão", diz. No caso de Alphaville, ninguém sabe explicar exatamente porque se deve pagar foro e laudêmio. Há rumores de que a terra teria sido uma aldeia indígena. Outros afirmam que o laudêmio começou a ser cobrado como forma de o governo poder expulsar posseiros da área. “Isso pode ter ocorrido para evitar que os invasores entrassem com uma ação de usucapião, o que seria impossível se a terra fosse da União”, explica o advogado Francisco Hermano, vice-presidente da Ordem do Advogados do Brasil (OAB), Subseção de Barueri. Estima-se que pelo menos metade das propriedades de Alphaville, que tem 40 mil habitantes, pague esses tributos. Segundo Hermano, há 2 mil empresas na área sujeita à cobrança. Só que o os donos de imóveis não conseguem obter a certidão para concretizar a venda. “Acontece que esse é um processo burocrático, em que a SPU não consegue atender a lei que o próprio governo instituiu”, diz Hermano. Segundo ele, há casos em que o proprietário espera até 4 anos. "Ou seja, não há comprador que aguarde tanto tempo". Além da reclamação de moradores que não conseguem fechar negócio, imobiliárias e cartórios também sentem o reflexo da demora. "Imagina o impacto que isso traz para os cartórios", diz o cartorário Celso Luiz Mendonça. O cartório recebe, em média, R$ 800 para cada escritura lavrada. "Tem morador negociando sem ter o documento em mãos." Não há um levantamento sobre o número de imóveis irregulares, nem de queda de movimento das imobiliárias, mas há motivos para preocupação, na opinião do gerente de vendas da Guizardi Imóveis, Rubem Paiva. "Estar sujeito a laudêmio é o pior indicador de mercado que existe", afirma. Isso porque, segundo ele, muitos empreendedores e investidores estão pensando duas vezes antes de fechar negócio em Alphaville e Tamboré. "A SPU incentiva a desonestidade. Imagine a situação de quem compra um imóvel do terceiro dono e nem o primeiro tenha conseguido a certidão de laudêmio", diz. É o caso do empresário Jacob Tomás, que desistiu de fazer negócio no condomínio. Morador há 15 anos de Alphaville, ele investia em imóveis comerciais e residenciais. "Já que vivemos nessa situação indefinida, prefiro não mexer mais com isso." Além disso, por não obter a escritura, o comprador não consegue financiar o imóvel nem a liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS ). A situação acabou criando até uma especialidade em direito imobiliário: no condomínio já existem advogados que cuidam de foro e laudêmio. "Estou há 12 anos nessa área e não há como cuidar de outra coisa”, diz a advogada Yvone Maria Rosani. Ações pedem até a prisão de funcionários Pelo menos 500 mandados de segurança e dezenas de pedidos de prisão. É com as mesas repletas de processos que começa o expediente na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) para a resolução dos casos de emissão de certidão de laudêmio para donos de imóveis em Alphaville. O recurso legal tem sido cada vez mais usado por advogados como forma de pressionar a SPU a agilizar a liberação dos documentos. "Quando precisa vender seu imóvel, o cliente pede para entrar com mandado", diz a advogada Yvone Maria Rosani. Entretanto, mesmo com ordem judicial, a expedição da certidão chega a demorar 8 meses, segundo Yvone. "O jeito é entrar com outra ação. Dessa vez, pedido de prisão do responsável da SPU", explica. Mesmo assim, nem sempre a secretaria responde. "A decisão do tribunal é rápida. A SPU é que não tem pessoal suficiente para atender ao número de pedidos." O coordenador de Projetos Especiais da SPU, o advogado Esmeraldo Tarqüinio, reconhece a demora e diz que o órgão está buscando melhorar. "Há uma demanda muito grande e nossa deficiência é enorme", diz. Ele trabalha no órgão há apenas duas semanas. A responsável pela secretaria na capital, Evangelina de Almeida Pinho, é a terceira pessoa a assumir o posto neste ano. A secretaria não tem condições de informar quantos processos estão aguardando resposta, nem qual o tempo médio de espera para a liberação. Mas o coordenador não desmentiu a afirmação de advogados especializados no assunto de que alguns casos chegam a ficar anos na fila. "Cerca de 40% dos processos são da Baixada Santista", afirma. A partir do ano que vem, segundo Tarqüinio, Santos deverá ter um escritório especial, para desafogar o volume de trabalho na SPU da capital. "A idéia é inaugurá-lo no primeiro semestre", diz. Ele afirma que uma força-tarefa, com funcionários de outros Estados, trabalha desde o último dia 16 para agilizar os processos. Até que a situação seja resolvida, o contribuinte continua brigando para não levar prejuízos na compra e venda de imóveis em Alphaville. "Vendi uma casa em setembro do ano passado e a SPU não emitiu nem o cálculo do laudêmio", diz o economista José Tolentino de Sá. Ele é também empresário do ramo, da construção civil e tem três casas à espera da certidão há pelo menos 2 anos. "O problema não é pagar a taxa. O que está acabando com os donos de imóveis é a demora. (B.S) Origem das terras ainda é desconhecida SPU alega ser herança do Brasil Império; moradores dizem que há provas Tantos anos depois de instituída a cobrança de foro e laudêmio de condomínios residenciais e comerciais em Alphaville e Tamboré, na Grande São Paulo, as explicações sobre a origem desses dois tributos na região ainda são desencontradas. A obrigatoriedade do pagamento começou em 1966, mesmo ano do início da construção dos condomínios. Mas não faz muito tempo que os moradores começaram a questionar o motivo da cobrança. "Não está muito claro esse pagamento", diz a gerente da Sociedade Alphaville e Tamboré (S/A), Maria Helena Arruda Santos. Segundo ela, a entidade questiona a cobrança na Justiça e entrou em contato com o Ministério Público para obter informações. "Não há nada que comprove que somos obrigados a pagar", afirma. O advogado Francisco Hermano afirma ainda que nenhum morador nem empreendedor de Alphaville e Tamboré tem cópia do contrato de aforamento, que comprova os motivos das taxas."A SPU (Secretaria de Patrimônio da União) foi notificada por várias entidades para apresentar o contrato, mas nunca o fez", diz. "Fiz uma pesquisa no Cartório de Registro de Imóveis de Barueri. Lá também não há provas." A SPU alega que os dois tributos são cobrados por se tratar de área pertencente ao governo federal. Aliás, seria uma herança do Brasil Império, uma ordem expedida pela Coroa Portuguesa para que uma tribo indígena que habitava essas terras tivesse posse delas. PAPÉIS Mas a versão é contestada. Uma longa pesquisa feita pelo químico Arnaldo Menck – morador e ex-presidente do Residencial 2 em 1990 e em 2000 – aponta que realmente não há documentos que comprovem a origem das terras. E, se existirem, não estão ao alcance do morador e empresário do condomínio. "Essa cobrança é fruto de negócios escusos", afirma Menck, que anexou a pesquisa à ação que apresentou na Justiça. Entre outros questionamentos, ele aponta que toda a região onde hoje é Alphaville, mais uma extensão de terra que vai até o bairro de São Miguel Paulista, na zona leste, por volta de 1720 era povoada por índios, num trecho de 66 quilômetros quadrados. "Por que os tributos não são cobrados até São Miguel?", questiona. Ainda segundo ele, os índios nunca foram donos das terras, que começaram a ser povoadas por posseiros e pequenos agricultores. "As atenções começaram a se voltar para essa área quando a Rodovia Castelo Branco começou a ser aberta e perceberam o desenvolvimento que viria", lembra. "Como havia posseiros, houve uma decisão às pressas de transformar aquilo tudo em área do governo e expulsar os invasores sem que eles conseguissem entrar com ação de usucapião." Outros moradores pretendem entrar na Justiça para obter a remição – passar a ter o domínio pleno e obter 100% da área (hoje 17% da propriedade pertence ao governo e 83% é do proprietário). "Há um número expressivo de clientes buscando essa solução, mas o governo não se manifesta", diz a advogada Yvone Maria Rosani. Segundo a SPU, essa possibilidade foi suspensa pelo governo. O fato é que, se um dia o governo voltar atrás e suspender a cobrança, muito morador vai querer ser ressarcido pelos anos de pagamento. "Até que se resolva tudo, o jeito é esperar na fila". B.S. (O Estado de São Paulo, seção Cidades, 27/11/2004, p.C-4).
Direitos
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