Notícia n. 6840 - Boletim Eletrônico IRIB / Dezembro de 2004 / Nº 1450 - 02/12/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1450
Date
2004Período
Dezembro
Description
Elinalva: uma registradora com uma caneta na mão e muitas idéias na cabeça - No dia 28 de outubro, durante a realização do I Seminário Estadual de Cadastro e Regularização Fundiária, o presidente Sérgio Jacomino entrevistou a oficial do Segundo Ofício de Registro de Imóveis de Pacatuba, Elinalva Henrique Silva, cartório Vicente Barbosa. SJ – Como nova registradora, como você encara a sua atividade? EHS – Eu procuro sempre ter uma visão atualizada do que seria o oficial de registro de imóveis. A nossa função não está limitada a ser apenas um cadastrador de títulos dominiais. A nossa função vai além de estar dentro do cartório cumprindo uma função jurídica. Desempenhamos um papel muito importante dentro da comunidade em que atuamos. Sempre procurei ver a nossa atividade como uma função também social, porque o trabalho feito pelos registradores sempre culmina em algum benefício à comunidade. SJ – Você se envolveu com a comunidade e percebeu que havia carências que deviam ser enfrentadas. Quais foram as dificuldades que você teve no início? Os cartórios eram reconhecidos socialmente na sua comarca ou havia algum tipo de preconceito? EHS – Era uma comunidade carente, de baixa renda, porque se tratava de um cartório localizado no interior. Apesar de ser região metropolitana de Fortaleza, havia classes menos favorecidas e o que eu percebia era uma falta de informação. Procurei desenvolver um trabalho sócio-educativo que levasse essas pessoas a conhecer o verdadeiro significado do cartório, qual o papel do registro em suas vidas. A partir do momento que os imóveis dessas pessoas são regularizados, elas passam a ser incluídas no contexto socioeconômico da região. SJ – Na sua opinião, qual a vantagem de se ter o imóvel registrado? EHS – A vantagem é a segurança. Sei que ao sair do cartório vou encontrar a minha casa protegida, porque está registrada em meu nome. Essa segurança e tranqüilidade ainda são maiores para as pessoas humildes. SJ – Mas a segurança da posse não resolveria isso? EHS – O registro não agrega valor somente econômico, mas também valor sentimental. Nas entrevistas que realizei durante o programa O registro definitivo do imóvel como instrumento de cidadania ficou muito clara a questão do valor sentimental. O fato de cada um ter o direito de receber a sua escritura pública registrada e, principalmente, a matrícula do seu imóvel, dava uma alegria, uma satisfação pessoal muito grande. E isso era percebido nas pessoas mais humildes. A pessoa sabe que, a partir daquele momento, ela poderá dispor daquele imóvel. Elas têm consciência dessas questões de valor econômico também. SJ – Como foram superadas as dificuldades financeiras para a realização dos atos básicos de titulação e registro? EHS – Utilizamos o microcrédito. Primeiramente, discuti com eles a questão dos juros e também a questão do valor de parcela que poderiam pagar. SJ – Como foi o financiamento? EHS – Eu discuti com a Microcrédito , ( empresa que oferece linhas de crédito, NE ) em defesa do mutuário, para que pudessem ser protegidos com relação aos juros, para conseguir uma parcela que eles tivessem condições de pagar. Foi feito dessa forma. O que foi uma surpresa é que a adimplência foi muito grande. A questão do microcrédito num trabalho como esse requer um acompanhamento maior. Inicialmente, eles pediram o obtiveram um pequeno crédito para que pudessem fazer a regularização do imóvel. Feita a regularização, passaram a ter crédito para a reforma das casas, coisa que não faziam antes porque entendiam que corriam risco de ser despejados, ficavam inseguros. Estou me referindo aos conjuntos habitacionais. A partir do momento em que regularizaram e pagaram suas parcelas corretamente, foram reformando e até desenvolvendo o próprio negócio. Mas é necessário um acompanhamento da Microcrédito nesse negócio. É preciso que a Microcrédito ofereça treinamento para que as pessoas possam desenvolver bem o negócio, vender a mercadoria ou fabricar com qualidade. O objetivo disso tudo é o desencadeamento de um desenvolvimento auto-sustentável. SJ – Você se articulou politicamente e se socorreu de outros profissionais como advogados, assistentes sociais, educadores. Quais foram os resultados práticos dessa abordagem? EHS – Num primeiro momento tive contato com uma amiga assistente social. Ela me deu uma idéia para desenvolver o programa. Começamos a nos encontrar aos domingos e relatei a ela como eu queria desenvolver esse trabalho na comunidade. Ela passou a ver o lado social e econômico do projeto. Era preciso que fizéssemos as articulações. O primeiro passo foi dado com relação aos honorários dessa equipe interdisciplinar que tive que montar, para viabilizarmos o projeto. O meu cartório arcou com os honorários da equipe de assistentes sociais. Também precisei do apoio de amigos advogados, porque tivemos alguns obstáculos a superar. E, por último, de um economista. Formamos essa equipe. Em seguida, procuramos observar que esse trabalho é de interesse público e era fundamental a participação do município. O prefeito foi bastante acessível, incorporou a idéia de imediato e colocou uma estrutura à nossa disposição. Elaborei toda a estrutura física necessária contando com a ajuda dele. Inclusive, o prefeito colocou à disposição da comunidade uma procuradora do município para que pudéssemos trabalhar também os aspectos jurídicos e, também, para conscientizar a comunidade de que não se podia invadir casas para ter a posse, se a posse já seria regularizada, passada em cartório. Tivemos muita preocupação e cuidado com esses comentários. SJ – Qual foi a função do economista nesse processo? EHS – Eu queria desenvolver um trabalho maior e precisava de uma visão do desenvolvimento socioeconômico. A participação dele foi nesse sentido, da inclusão da Microcrédito. SJ – Microcrédito é uma empresa? EHS – É uma empresa privada que tem uma concessão do Banco Central e é destinada a financiar os micro-empreendedores. SJ – Seu trabalho rendeu dividendos políticos evidentes. Independentemente da preocupação político-partidária, v. considera o seu trabalho político? EHS – É um trabalho político, mas não político-partidário no sentido eleitoral. Procuramos desenvolver a consciência política dentro da comunidade. O próprio município foi beneficiado em termos fiscais. Fizemos um trabalho de conscientização da comunidade a respeito da importância da educação tributária. Por que temos de pagar IPTU, ITBI, para onde vão esses recursos e como retornam à própria comunidade. No final do ano, a prefeitura informou que tivemos superávit , uma pequena diferença. Isso se deu porque conseguimos, para essa comunidade, desconto de quase 90% no pagamento do ITBI. Não houve isenção porque é necessário que as pessoas saibam que aquele dinheiro do imposto vai ser revertido para benefício da própria comunidade. SJ – Foi a própria comunidade que teve a idéia de constituir uma ONG, uma associação, para poder irradiar essa experiência para outras comunidades? EHS – Fiquei muito surpresa quando cheguei à comunidade, me apresentei como a oficial do cartório de registro de imóveis e disse que estava ali à disposição para a regularização dos imóveis deles. A receptividade e o interesse foram surpreendentes. Queríamos mostrar à comunidade que os usuários dos nossos serviços deviam ter acesso mais facilitado ao cartório. Existem entraves impostos pela legislação que são interpretados, muitas vezes, como exigências descabidas do registrador. Além disso, há a questão da segurança jurídica que nos obriga a essas exigências. No caso de uma pendência sempre orientamos a comunidade, tentando mostrar que não é difícil, que há uma forma prática para resolverem o problema. SJ – E a idéia de constituir uma ONG? EHS – A idéia da ONG nasceu nas próprias associações. A própria comunidade se sentiu à vontade para me trazer os problemas sociais que enfrentava. As associações estão percebendo as vantagens de ter o imóvel regularizado, como a segurança, o acesso ao crédito e à cidadania. Ter o registro imobiliário do seu imóvel traz muitas vantagens pessoais. Mas queremos ir além, queremos fazer com que o imóvel se transforme num ativo econômico naquela comunidade para ajudá-la a se auto-sustentar. Esse programa não é uma ação isolada, precisamos de parcerias. Tivemos a parceria de alguns órgãos como a justiça local, especialmente a Vara de Registros Públicos. Ampliamos o atendimento jurídico que foi prestado à comunidade com o balcão solidário, que atende não só os problemas jurídicos, mas também o direito de família, direito civil, direito de vizinhança, direito de sucessão. Depois, outras demandas foram surgindo, como a retificação imobiliária, desmembramentos, etc. SJ – Qual é o seu sonho como registradora? EHS – É conseguir realizar esse trabalho que, modestamente, me deixa muito orgulhosa. Foram muitas batalhas. Foi maravilhoso ver as pessoas conseguindo quitar os seus imóveis junto às instituições financeiras. SJ – No caso de imóveis financiados ao SFH havia vários mutuários inadimplentes. Os créditos foram transferidos da Caixa Econômica para a Emgea, Empresa Gestora de Ativos, que administra os créditos. A sua interferência foi no sentido de que eles pudessem obter a quitação da dívida e a liberação da hipoteca? EHS – Na realidade, a Emgea e a Caixa Econômica já vinham desenvolvendo esse programa de quitação dos imóveis com desconto. Essas quitações foram suspensas e, nesse período, houve muita inquietação da população, que temia os despejos. Foi necessário que interviéssemos, politicamente, para mostrar a inquietação da população que desejava quitar os imóveis. O que fizemos foi apressar esse processo porque estava muito lento, dependente de decisões políticas, o que aumentava ainda mais a inquietação da população. O prefeito teve que ir a Brasília e pedir ajuda a um deputado federal. Na época, um ofício da Caixa Econômica respondeu a essa quitação mencionando o nome do programa, registro definitivo do imóvel . Em função desse programa já estavam fazendo a concessão. SJ – Uma vez realizado o processo, quais são as suas idéias? EHS – Os convites das associações me trouxeram a possibilidade de um trabalho político. Não pude entrar, nesse primeiro momento, porque esse trabalho precisa de muita dedicação, ainda há muito que fazer. Comecei esse trabalho sozinha, mas agora precisamos de parcerias. É um trabalho que pode ser ampliado, não deve ficar só aqui em Pacatuba. O município vizinho, Maracanaú, já demonstrou interesse, Calcáia também. Pode ser ampliado aqui mesmo, em Fortaleza, onde existe um grande número de conjuntos habitacionais. Na realidade, não pude mais arcar com os ônus do programa, de honorários e assistentes sociais, reuniões, etc., por isso tive que suspender. O programa está cumprindo a meta de dois anos. Num primeiro momento eu fui à comunidade. Hoje, a comunidade é que está indo ao cartório. O primeiro cadastro foi feito dentro da comunidade e agora, no segundo, exigimos que recebam os documentos no próprio cartório para que possam se familiarizar mais. SJ – Você teve apoio de associações como, por exemplo, a Anoreg? EHS – A Anoreg tomou conhecimento do programa há dois ou três dias. Tive um contato mais direto com o vice-presidente, doutor Germano Francisco de Almeida, e ele gostou muito do programa. Estamos interessados em nos reunir para aprofundar e estudar mais a idéia. SJ – No que você acha que o Irib poderá ajudar? EHS – Gostaria de ouvir as propostas do Irib porque não conheço profundamente o trabalho realizado pelo instituto. Trabalhei de forma isolada, mas devo confessar que o Irib foi um dos órgãos inspiradores porque tenho acompanhado o trabalho desenvolvido pelo senhor em termos de registro imobiliário. Recebo o boletim eletrônico e procuro me informar das ações, mas de uma forma muito distante. É uma satisfação muito grande conhecê-lo pessoalmente, sou admiradora dos trabalhos desenvolvidos pelo senhor à frente do Irib. Acompanhei o processo da sua eleição e desde que o senhor assumiu o Irib tem conseguido dar uma feição bastante inovadora ao instituto. Estou me colocando à disposição do Irib para ser uma das suas colaboradoras no que for possível.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
6840
Idioma
pt_BR