Notícia n. 6477 - Boletim Eletrônico IRIB / Setembro de 2004 / Nº 1301 - 15/09/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1301
Date
2004Período
Setembro
Description
SFI. Alienação. Unidades autônomas. Hipoteca. Instituição financeira. Não oponível ao terceiro adquirente. - Sérgio Jacomino, seleção e verbetação. Banco Itaú S.A. interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a) e c) do permissivo constitucional, contra acórdão da Terceira Turma Julgadora da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado: “Apelação. Falência. Sistema Financeiro Imobiliário. Adquirentes promitentes de unidades residenciais dadas em hipoteca mesmo sendo público que a incorporadora passava por enormes dificuldades financeiras. Ofensa aos princípios da boa-fé consagrados do CDC. Não prevalece diante do terceiro adquirente de boa-fé a hipoteca constituída pela incorporadora junto a instituição financeira porque a estrutura não só do Código de Defesa do Consumidor, como também, do próprio sistema habitacional, foi consolidada para respeitar o direito do consumidor. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Apelo improvido". Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Sustenta o recorrente, em preliminar contrariedade ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, haja vista que não foram as omissões contidas no acórdão recorrido, mesmo com a oposição dos embargos de declaração. No mérito, argúi ofensa aos artigos 677, 755, 811, 848, 849, 850 do Código Civil de 1916; 5o e 20 do Decreto no 58/37; 23, § 4o, da lei 4.864/65 e 5o, incisos XX e XXXVI, da Constituição Federal, aduzindo que "o domínio da propriedade imóvel só se transfere após o registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que o direito pessoal não pode sobrepujar o direito real defluente de hipoteca regularmente registrada". Alega que recebeu em hipoteca todo o empreendimento, mediante cláusulas e condições ajustadas, restando este direito, de natureza real, transcrito no ofício imobiliário, não constando da matrícula do bem a existência de qualquer ônus real anterior à garantia prestada, operando o registro erga omnes, sendo portanto, a hipoteca anterior à compra. Assim, "a EncoI não cumpriu, ainda, sua obrigação, pois ainda continua devedora do Recorrente. Desta forma a hipoteca deverá subsistir até a liquidação total das obrigações contratualmente assumidas". Afirma que "o registro do imóvel na repartição própria constitui elemento publicitário imprescindível, haja vista que somente com a sua observância, além de o domínio passar do alienante ao adquirente, se enseja a qualquer, em qualquer ocasião, saber o elo da cadeia dominial, com segurança no tráfego do mundo dos negócios imobiliários e satisfação ao preceito constitucional que assegura o direito de propriedade". Alega que há um direito real, devidamente inscrito, o qual onera um bem já liberado, independentemente do cumprimento da obrigação, restando superado por um direito pessoal posterior à hipoteca e não registrado. Destaca, por fim, que não existem provas de reclamações anteriores, dentro do prazo de prescrição, e que "a hipoteca sendo indivisível, só poderá se desfalcar com a anuência do credor hipotecário”. Aponta dissídio jurisprudencial, trazendo à colação julgados, também, desta Corte. Contra-arrazoado, o recurso especial, foi admitido. Houve recurso extraordinário, não admitido, decisão contra a qual foi interposto agravo de instrumento. Opina o Dr. Washington Bolívar Júnior, Subprocurador-Geral da República, pelo não conhecimento do recurso especial. Decido. Os recorridos ajuizaram ação ordinária contra a instituição financeira e a Encol S.A , Comércio e Indústria alegando que compraram imóvel residencial e “após terem concluído o pagamento pactuado nos contratos de compromisso de compra e venda à empresa Encol S/A, a qual por força de disposição expressa do contrato poderia receber esses pagamentos, e não tendo anuído ao Contrato de Abertura de Crédito e garantia hipotecária firmado entre a Encol S/A e o Banco Francês Brasileiro, vêem-se agora impossibilitados de exercerem plenamente os direitos decorrentes da aquisição do domínio deste imóvel, ante o gravame hipotecário que pesa sabre o mesmo". Invoca, ainda, as leis que regem o Sistema Financeiro de Habitação e o princípio da boa-fé e afirma que a instituição financeira agiu com negligência na fiscalização da devedora, deixando de se informar sobre as vendas já realizadas pela Encol no empreendimento, sabendo que o seu crédito seria liquidado com o dinheiro apurado na venda dos imóveis em construção e que, deveria estar atento com o que estava acontecendo na comercialização destes". Finalmente, traz precedente desta Corte. A sentença julgou procedente o pedido, "reconhecendo que a parte autora nada deve ao banco requerido pela aquisição da unidade imobiliária descrita nos autos e da construtora falida, julgando insubsistente e desconstituindo a hipoteca descrita na inicial e que onera a unidade imobiliária adquirida pela parte requerente junto à construtora Encol S.A. Engenharia, Comércio, devendo ser expedida carta precatória para que seja dado baixa no gravame hipotecário atacada". Destacou o Juiz que a instituição financeira deveria "verificar quais as unidades que estavam disponíveis para servirem como garantia do empréstimo e exigir que o pagamento das prestações lhe fossem feitas diretamente dos mutuários, o que não foi feito pelo credor hipotecário requerido, sendo de uma fragilidade sem tamanho seu argumento de que o contrato de compra e venda não foi registrado anteriormente à instituição do gravame". Assinalou, também o Magistrado que "no contrato firmado pelos réus, o banco requerido deu poderes para que a Encol as recebesse o pagamento das unidades que fossem sendo alienadas, vez que a totalidade de seus direitos decorrentes da alienação do empreendimento ou de cada uma de suas unidades, conforme cláusula vigésima do contrato firmado pelos réus e Lei 4.864/65, artigo 23". Relevou, ainda, "como noticiado na inicial e comprovado na documentação anexada, no caso em debate, o registro da hipoteca ocorreu quando já estava registrada a incorporação do empreendimento onde está localizada a unidade adquirida e quitada pela parte autora". Para o Magistrado, "se ao tempo da instituição da hipoteca o empreendimento já estava em construção e a então construtora Encol S/A desempenhava atividade de incorporação imobiliária e já havia alienado as unidades descritas na inicial aos autores, não tem nenhuma razão o credor hipotecário requerido tentar prevalecer o gravame hipotecário contra a parte promissória e compradora". O Tribunal de Justiça de Goiás desproveu a apelação. Primeiro, quanto à fundamentação, entendeu que está bem clara pondo em julgamento a ineficácia da hipoteca em relação ao direito dos autores; segundo, ainda em preliminar, considerou parte legitima a instituição financeira diante do vínculo entre os contratantes, autores e construtora e depois entre a construtora e o agente financeiro. Quanto ao mérito manteve o julgado considerando precedente, desta Corte, relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar no sentido de que o “fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, lançando milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado mecanismos que a lei lhe alcançou para instituir sobre o imóvel - que possivelmente existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro". Os embargos de declaração foram rejeitados. Violação do artigo 535 do Código de Processo Civil não existe. O Tribunal de origem, exaustivamente, tratou de afastar a defesa da instituição financeira, confirmando os precedentes desta Corte sobre os efeitos da hipoteca em casos assemelhados ou seja, de compra de imóvel residencial pelo Sistema Financeiro de Habitação. Não há, portanto, nenhuma omissão a ser suprida. Sobre o mérito, esta Corte já assentou seu entendimento na mesma direção do acórdão recorrido, como se pode verificar do trecho de voto que proferi no Resp no 498.862/GO (DJ de 1/3/04), como se segue: "(...) A argumentação desenvolvida pela recorrente é no sentido de que não seria possível desconstituir a hipoteca, regularmente estabelecida, de modo a impedir que o adquirente, mesmo tendo quitado integralmente o imóvel, possa ver a desoneração do gravame antes do pagamento da dívida ao credor hipotecário. Assim, prevalece o direito real sobre o direito pessoal. Traz ainda, precedentes para apoiar a dissídio. Ocorre que, de fato, o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência mais recente desta Corte. Vejamos. Ao julgar o REsp no 439.604/PR, de minha relatoria (DJ de 30/6/03), esta Terceira Turma assentou que 'os embargos de terceiro opostos pelos compradores de imóvel, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, são procedentes, não atingindo a garantia hipotecária do financiamento o terceiro adquirente da unidade, o qual responde, apenas, pelo pagamento do seu débito'. No meu voto expendi as razões que se seguem: Toda a questão é saber se a hipoteca gravando a operação de empréstimo feita pelo Banco à construtora, no espectro do Sistema Financeiro da Habitação, alcança o terceiro adquirente que cumpre a sua obrigação de pagamento. Tenho manifestado meu entendimento de que quando o imóvel é pago à vista, quitada a obrigação assumida, e, ainda, não tiveram os adquirentes conhecimento de que os bens estavam gravados, não há mesmo razão para embolar o imóvel da garantia oferecida pela construtora (cf. voto vista que proferi quando do julgamento do REsp no 231.226/AL, relator o senhor ministro Waldemar Zveiter, DJ de 27/8/01). Mas, neste feito, houve o pagamento parcial e a execução, diante da inadimplência da construtora financiada, atinge o terceiro adquirente. Com a devida vênia dos que entendem em sentido contrário, bem refletindo sobre as razões postas nos precedentes da Quarta Turma sobre a aquisição de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação, quero crer que a postulação posta na inicial, merece mesmo acolhida. De fato, deve a responsabilidade dos adquirentes ficar restrita ao pagamento do seu débito, admitida a penhora da unidade adquirida apenas na hipótese de execução por inadimplemento das suas próprias obrigações. Nesse sentido peço vênia para reproduzir as razões alinhadas pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar quando do julgamento do REsp no 187.940/SP (DJ de 21/6/99), como se segue: ‘A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado' (art. 22 da Lei no 4.864/65), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa-fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio. As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do sistema financeiro da habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema. 3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa-fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz da satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora, não tem o efeito que se Ihe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei Ihe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro.' No mesmo sentido: REsp no 263.261/MG, relator o senhor ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 20/5/02; REsp no 314.553/AL, relator o senhor ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 4/2/02. Na Quarta Turma, além do precedente de que relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, antes mencionado, quando do julgamento do REsp no 415.667/SP, relator o senhor ministro Aldir Passarinho Júnior (DJ de 7/4/03), ficou mais uma vez assentado que o adquirente de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da divida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o banco financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do artigo 22 da Lei 4.864/65. Na mesma direção: REsp no 431.440/SP, relatora a ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/2/03; REsp no 401.252/SP, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 5/8/02; REsp no 239.557/SC, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 7/8/2000; REsp no 187.940/SP, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 21/6/99. Com essas razões, eu não conheço do especial, afastando o dissídio com base na Súmula no 83 da Corte." Por último, anoto que na escritura que se encontra à fl. 79, está descrita a situação do imóvel que foi primeiro objeto de escritura particular para outra pessoa, a qual cedeu os direitos para os autores, constando expressamente, que foi apresentada a certidão negativa de ônus reais fornecida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente". Destarte , nos termos do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, eu nego seguimento ao especial. Brasília, 22/4/2004. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (Recurso Especial 555.556/GO, DJU 30/4/2004, p.496/497).
Direitos
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Article Number
6477
Idioma
pt_BR