Notícia n. 6341 - Boletim Eletrônico IRIB / Agosto de 2004 / Nº 1259 - 26/08/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1259
Date
2004Período
Agosto
Description
VALOR ECONÔMICO – 16/8/2004 - “O caminho para a servidão” - Daniel Gleizer * Daniel Gleizer, ex-diretor do Banco Central do Brasil, é diretor executivo do Unibanco e escreve mensalmente às segundas-feiras.* No ano de 2004 comemora-se o sexagésimo aniversário da publicação de “O caminho para a servidão”, obra consagrada do pensador austríaco Friedrich A. Hayek. Esse trabalho marca o deslocamento das prioridades intelectuais e do foco da agenda de pesquisa de Hayek da teoria econômica para a filosofia política. Até o começo da Segunda Guerra Mundial Hayek havia se encontrado principalmente em questões econômicas (...), tais como a teoria pura do capital ou capitalismo, a teoria monetária e outros tópicos normalmente associados ao que hoje se conhece como a Escola Austríaca de Economia, e que lhe renderam o prêmio Nobel da disciplina em 1974. Apesar de seu nome ser imediatamente associado à sua crítica do Keynesianismo, e erroneamente vinculado ao pensamento neoclássico, Hayek brindou-nos com contribuições extremamente importantes quanto ao conceito de equilíbrio, à forma de aquisição e disseminação do conhecimento, e o papel exercido nestes processos pelo mecanismo de mercado e pelo sistema de preços. Alguns de seus insights nestes campos têm sido tratados em importantes programas de pesquisa contemporâneos, em especial aqueles ligados à teoria da informação. Ademais, semearam suas próprias reflexões sociopolíticos posteriores, ao teorizar sobre questões relacionadas aos temas da possibilidade conceitual do planejamento econômico centralizado, assim como sua aplicabilidade prática. "O caminho para a servidão" manifesto que, em tom polêmico, Hayek dedica aos "socialistas de todos os partidos", discute muitos dos temas que caracterizariam a produção intelectual do autor nas décadas seguintes. O texto discorre sobre os efeitos das políticas intervencionistas que então eram aplicadas ao redor do mundo, em modalidades e intensidades que variavam do New Deal norte-americano e do Estado de Bem-Estar (Welfare State) europeu, aos modelos de economia planificada da Europa Oriental. Sua crítica, incisiva aos ideais coletivistas e ao intervencionismo estatal, possui várias proposições fundamentais, dentre as quais se destaca a noção de que a semelhança entre os totalitarismos, sejam eles de direita ou de esquerda, supera em muito as suas diferenças. O elemento comum partilhado pelas diversas modalidades totalitárias é o repúdio do respeito pela autonomia individual, pilar básico da tradição liberal acidental. É a origem de ambos nesta matriz fundamental que leva Hayek a considerar o comunismo e o nazismo como dois subprodutos de uma mesma atitude intelectual. E é este o sentido de sua afirmação, naquele momento quase herética, de que a ascensão do fascismo e do nacional socialismo não eram uma reação à propagação das idéias socialistas, mas sim seu corolário inevitável. Este texto de Hayek é um alerta para o fato de que, além do risco representado pelos regimes totalitários já então constituídos, as democracias liberais enfrentam uma ameaça interna, tão ou mais perigosa que o inimigo externo. Essa ameaça consiste na progressiva expansão do intervencionismo estatal nas diversas dimensões da vida social que, impulsionado pela sedução exercida por ideais nobres, tais como justiça social e igualdade, solapa os alicerces do Estado de Direito. Segundo o autor, à medida que a ação do Estado se intensifica, e que se aprofunda o seu escopo de atuação, os limites à atuação governamental são paulatinamente solapados, as defesas dos cidadãos frente aos seus excessos gradativamente desmontadas, e as liberdades individuais sistematicamente sacrificadas. Hayek prognosticava que as sucessivas concessões que vinham sendo feitas à intervenção do Estado na sociedade culminariam no desvirtuamento inexorável das democracias liberais. O resultado seria o estabelecimento de regimes totalitários, onde os cidadãos não mais teriam como proteger-se contra os abusos dos governantes, que os subjugariam e os levariam à servidão. A aplicação desta idéia na esfera econômica culmina na sugestão de que o excesso de intervenção do Estado na Economia, além de ineficiente, é incompatível com a democracia. Mas como advertiu certa vez Mario Henrique Simonsen, crítico notório do planejamento centralizado da atividade econômica, esta proposição de Hayek não deve ser interpretada ao pé da letra. Afinal, argumentava, não há evidencias de que a política de planejamento econômico implementada há décadas no Japão pelo Ministério da Indústria e Comércio Internacional (MTTI), tenha acarretado prejuízos à democracia daquele país. Nem tampouco que os esforços de planejamento indicativo francês tenham-se revelado nocivas às suas instituições democráticas. Assim, apesar de a experiência histórica demonstrar crescente ineficácia e ineficiência dos sistemas de planejamento econômico centralizado, e evidenciar a desfuncionalidade do excesso de intervenção estatal na economia, não parece proceder a noção de que estes levam, inexoravelmente, a regimes totalitários. Mas celebrar o aniversário de "O caminho para a servidão" não significa endossar o liberalismo radical ou libertário de Hayek. Significa, outrossim, revisitá-lo à luz dos desenvolvimentos históricos e teóricos que o sucederam, e resgatar a noção de que a decadência do Estado de Direito e o caminho para a servidão não são conseqüências inevitáveis do funcionamento normal das sociedades liberais. Pelo contrário, são deformações do processo democrático que podem ser impedidas através de uma vigilância permanente, que estabeleça limites aos excessos do Estado e que assegure o respeito aos direitos individuais. Hayek dizia que o desenvolvimento social é resultado da ação do homem e não do desígnio do homem. A proposição de que o caminho para a servidão pode ser evitado pelo poder das idéias e pela ação do homem é uma mensagem poderosa que assume enorme relevância neste princípio de século, caracterizado pelo recrudescimento da intolerância e do arbítrio, mais uma vez evocados em nome de causas supostamente nobres, de teor laico e religioso. (Valor Econômico/SP, 16/8/2004, p.A11).
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Article Number
6341
Idioma
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