Notícia n. 6166 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 2004 / Nº 1184 - 06/07/2004
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
1184
Date
2004Período
Julho
Description
Construtora. Unidades autônomas. Hipoteca. Instituição financeira. Não oponível ao terceiro adquirente. - Sérgio Jacomino, seleção e verbetação. Decisão. Banco Itaú interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a) e c) do permissivo constitucional, contra acórdão da Segunda Turma Julgadora da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado: “Apelação. Falência. Sistema Financeiro Imobiliário. Adquirentes promitentes de unidades comerciais dadas em hipoteca mesmo sendo público que a incorporadora passava por enormes dificuldades financeiras. Ofensa aos princípios da boa-fé consagrados no CDC. Não prevalece diante do terceiro adquirente de boa-fé a hipoteca constituída pela incorporadora junto a instituição financeira porque a estrutura não só do Código de Defesa do Consumidor, como também, do próprio sistema habitacional, foi consolidada para respeitar o direito do consumidor. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Apelo improvido”. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Sustenta o recorrente, em preliminar, violação do artigo 295 do Código de Processo Civil, uma vez que seriam ineptas a petição inicial e sua emenda e contrariedade ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, haja vista que não foram sanadas as omissões contidas no acórdão recorrido, mesmo com a oposição dos embargos de declaração. No mérito, argúi ofensa aos artigos 677, 755, 811, 848, 849, 850 do Código Civil de 1916; 5° e 20 do Decreto n° 58/37; 23, § 4°, da lei 4864/65 e 5°, incisos XX e XXXVI, da Constituição Federal, aduzindo que "o domínio da propriedade imóvel só se transfere após o registro do título aquisitivo na Cartório de Registro de Imóveis, sendo que o direito pessoal não pode sobrepujar o direito real defluente de hipoteca regularmente registrada". Alega que recebeu em hipoteca todo o empreendimento, mediante cláusulas e condições ajustadas, restando este direito, de natureza real, transcrito no ofício imobiliário, não constando da matrícula do bem a existência de qualquer ônus real anterior à garantia prestada, operando o registro erga omnes, sendo portanto, a hipoteca anterior à compra. Assim, a "Encol não cumpriu, ainda, sua obrigação, pois ainda continua devedora do recorrente. Desta forma a hipoteca deverá subsistir até a liquidação total das obrigações contratualmente assumidas". Afirma que o "registro do imóvel na repartição própria constitui elemento publicitário imprescindível, haja vista, que somente com a sua observância, além de o domínio passar do alienante ao adquirente, se enseja a qualquer, em qualquer ocasião, saber o elo da cadeia dominial, com segurança no tráfego do mundo dos negócios imobiliários e satisfação ao preceito constitucional que assegura o direito de propriedade". Alega que há um direito real, devidamente inscrito, o qual onera um bem já liberado, independentemente do cumprimento da obrigação, restando superado por um direito pessoal posterior à hipoteca e não registrado. Destaca, por fim, que não existem provas de reclamações anteriores, dentro do prazo de prescrição, e que "a hipoteca, sendo indivisível, só poderá se desfalcar com a anuência do credor hipotecário". Aponta dissídio jurisprudencial, trazendo à colação julgados, também, desta Corte. Sem contra-razões, o recurso especial foi admitido. Houve recurso extraordinário, não admitido, decisão contra a qual foi interposto Agravo de Instrumento. Opina o Dr. Eduardo Antônio Dantas Nobre, Subprocurador-Geral da República, pelo conhecimento e não provimento do recurso especial. Decido. A recorrida S.M.S.B. ajuizou ação ordinária para cancelamento de hipoteca alegando que adquiriu da Encol S.A. Engenharia, Comércio e Indústria imóvel residencial, pagando integralmente o preço ajustado. Sustenta que a ré, sem justificativa alguma, recusa-se a efetuar o cancelamento da hipoteca. A sentença, depois de rejeitar as preliminares julgou procedente o pedido para determinar a baixa do gravame hipotecário. Para o juiz está comprovado o pagamento integral do preço "e não tem nenhum respaldo legal e moral exigir que a mesma pague novamente o preço do imóvel ou entregue a unidade imobiliária ao credor hipotecário, o que seria clamorosa injustiça". O Tribunal de Justiça de Goiás desproveu a apelação. Primeiro, entendeu ser possível juridicamente o pedido e legítimas as partes, considerando os vínculos criados pelo contrato de compra e venda, entre a compradora, a vendedora e a instituição financeira; segundo, diante do terceiro adquirente de boa-fé não prevalece hipoteca constituída pela incorporadora junto à instituição financeira, porque ninguém que tenha adquirido imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação assumiu a obrigação de pagar sua dívida e mais a dívida da construtora perante a instituição financeira, invocando precedente desta Corte. Os embargos de declaração foram rejeitados. Primeiro, afasto a legada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. Não há falar em omissão, porquanto o Tribunal de origem tratou exaustivamente do tema objeto da lide, que se põe no campo do recurso especial, não criando nenhum empeço a que seja examinado. Como sabido, o que importa para o julgamento de especial é que o tema tenha sido objeto de exame no acórdão recorrido, o que, de fato, aqui ocorreu. Segundo, não há inépcia da inicial. O pedido é consistente e lógico. A autora que comprou bem imóvel e pagou o preço integral pretende a escritura definitiva e não consegue, porque existe o gravame hipotecário, daí o pedido de cancelamento da hipoteca, chamando a construtora e a instituição financeira para a composição do pólo passivo. Vejam-se precedentes desta Corte no sentido de que "não é inepta a inicial onde feita a descrição suficiente dos fatos que servem de fundamento ao pedido, ensejando ao réu o pleno exercício de sua defesa" (REsp n° 343.592/PR, relator o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 12/8/02; REsp n° 193.100/RS, relator o ministro Ari Pargendler, DJ de 4/2/02; Resp n° 226.328/SP, da minha relatoria, DJ de 7/8/2000; Resp n 284.480/RJ, relator o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 2/4/01). Terceiro, a questão de fundo, isto é, a força da hipoteca datada de março de 1994, com financiamento deferido em janeiro do mesmo ano e escritura assinada em setembro de 2000, está clara para ser julgada, considerando as razões, bem postas, no especial, incluído o dissídio. Tudo está, portanto, no fato de a construtora, no caso a Encol, primeira ré, continuar devedora perante a instituição financeira com o que não tendo cumprido sua obrigação, não pode haver a baixa na hipoteca. Com boas lições da doutrina, a recorrente põe a higidez da hipoteca no fato de não estar presente qualquer das hipóteses contempladas no artigo 849 do Código Civil de 1916, abrangendo, nos termos do artigo 811 do mesmo Código, todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. E, ainda, sustenta que deveria a recorrida verificar junto à vendedora a existência de dívida com garantia hipotecária por ocasião da compra, ademais de não ter sido sequer registrada a escritura no competente registro de imóveis. Mas, a boa argumentação do especial não prevalece diante da jurisprudência desta Corte em casos assemelhados. Vejamos. Desde logo, merece ser feita uma correção relevante. A segunda ré alega que a escritura foi assinada em 8/9/2000 (na verdade 9/8/2000 - fl. 10), com financiamento de 19/1/94 e hipoteca de 8/3/94. Ocorre que a escritura de 9/8/2000 foi decorrente de ordem judicial em anterior ação de adjudicação compulsória. Mas, nesta escritura oriunda de ordem judicial está indicado que a vendedora prometeu vender o referido imóvel à autora por escritura particular de 21/4/91, com aditivos de 28/6/95 e 14/6/97. Assim, a hipótese é de compra e venda anterior à instituição da hipoteca, considerando os elementos disponíveis nestes autos, tendo sido o preço integralmente pago. Com isso, os precedentes da Corte não guardam controvérsia, na mesma conclusão do acórdão recorrido. Na verdade, como assentado em inúmeros precedentes, é "nula a garantia hipotecária dada pela construtora à instituição financeira após já ter negociado o imóvel com promissário comprador (AgRgAg n° 468.719/RS, de minha relatoria, DJ de 23/6/03; Resp n° 239.557/SC, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 7/8/2000). Na mesma toada, por fim, a Quarta Turma, relator o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, assentou que os artigos 677 e 755 do Código Civil de 1916 "aplicam-se à hipoteca constituída validamente e não à que padece de um vício de existência que a macula de nulidade desde o nascedouro, precisamente a celebração anterior de um compromisso de compra e venda e a pagamento integral do preço do imóvel", ademais de considerar a jurisprudência da Corte no sentido de que "ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa-fé" (Resp n° 329.968/DF, DJ de 4/2/02)" (Resp n° 399.859/ES, Terceira Turma, da minha relatoria, DJ de 15/3/04; no mesmo sentido: AgRgAg n° 492.338/GO, Terceira Turma, da minha relatoria, DJ de 1/9/03; AgRgAg n° 449.473/GO, Terceira Turma, da minha relatoria, DJ de 25/8/03; AgRgAg n° 468.719/RS, Terceira Turma, da minha relatoria, DJ de 23/6/03). Destarte, não havendo mais discrepância na jurisprudência da Corte, presente a Súmula n° 83, nos termos do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso especial. Brasília, 20/4/2004. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relator (Recurso Especial n° 615.946/GO, DJU 27/4/2004, p.375).
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
6166
Idioma
pt_BR